quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Review - No More Heroes III

 A esperada sequência da mais popular franquia da Grasshopper Manufacture demorou 10 anos e finalmente está aqui, sem contar o spin-off Travis Strikes Again. No More Heroes III é o mais novo jogo dirigido por Suda51 e prometeu trazer No More Heroes em sua cerne, sendo mais similar ao primeiro jogo, porém com um toque diferente. Aqui temos a história de um menino chamado Damon que encontrou um alien e decidiu chamá-lo de FU, após passar um tempo com ele, FU consertou sua nave e voltou ao seu planeta natal, prometendo voltar a Terra em 20 anos para visitar Damon. 20 anos depois ele está de volta, agora com sua verdadeira identidade, Príncipe Jess Baptiste VI, um tirano conquistador de planetas.

Após Travis matar um dos comandantes do exército de FU, o príncipe decide desafiar qualquer humano a enfrentar seus outros generais e confrontá-lo, e se for derrotado, deixará o planeta Terra em paz. Então cabe ao nosso protagonista encarar dez chefes para salvar o dia. É a mesma estrutura de chefes dos outros jogos, onde as lutas são ranqueadas, mas com alienígenas e outras pirações, seguindo a tradição de Suda nunca fazer jogos muito parecidos. Chegando ao ponto onde No More Heroes III tem uma cara de sátira com os próprios jogos e o mais popular das ficções heróicas e épicas.

Ser uma sátira não aponta algo necessariamente depreciativo, enquanto pode até haver deboche, ainda mostra o fascínio com obras como Kamen Rider, Gundam e filmes de Takashi Miike. O jogo não tem vergonha nenhuma de prestar homenagens, fazer referências e quebras de quarta parede. É um nível de fan-service totalmente safado e bobo, que também é autoconsciente de seu absurdo e faz graça disso. NMH3 é 'porra loca', o que é positivo em seu lado cômico, embora eu acho que ele tem um jeito meio deslocado, como cada chefe ser um episódio com uma temática diferente, o que pode soar legal, porém parece mais uma mistura bizarra, até mesmo dentro de uma bossfight pode sair de um momento sério e meio bad-vibe para alguma piada.

O visual 3D é meio padrão Unreal Engine 4, meio simplão e mal polido em algumas partes, especialmente com problemas de carregar textura em meio às cutscenes e quando você explora a cidade em sua moto, a renderização da cidade é apurada e vai montando o cenário sem nenhum problema, até onde vi, mas ainda há quedas de framerate bem perceptíveis no mundo aberto. Outros problemas do visual são visíveis no quarto de Travis, onde alguns posters estão em baixíssima resolução e até dá pra ver um pedaço de pano numa porta, que não reage ao você passar ele, não há uma física naquele tecido, que acredito ter visto em outras partes, além do ocasional clipping. O que ele consegue fazer de bom nisso, principalmente considerando que está no Switch, é o combate rodando a 60FPS e com muitos efeitos de partículas, luz e sangue, é bastante impressionante e funciona bem mesmo no modo portátil, apesar dos muitos efeitos ofuscarem sua visão durante as batalhas, o que poderia ser resolvido facilmente ao dar alguma outline nos personagens. 

Esteticamente, o que mais impressiona é a quantidade de formas de apresentação do jogo. Já começando com a introdução de FU com uma cena animada, eventualmente trazendo um modelo 3D do vilão crescido, indo para cenas de Travis conversando com seu amigo Bishop, sendo apresentadas ao redor de um layout de TV e os personagens com retratos com um traço similar ao de Akira Toriyama. É uma misturanga de arte e vídeo, além da música com uma porrada de compositores, o jogo tem um valor artístico bem estiloso, compondo muito bem sua natureza caótica e exótica.

A diversidade visual complementa o clima histérico de NMH3, que segue a separação episódica de outros jogos do Suda, a série em si nunca foi separada assim. Aqui temos sempre uma mini introdução ao chefe e seu relacionamento com FU, levando para batalhas diversas, como um ringue espacial projetado pelo chefão da vez, Gold Joe,  que gera críticas de Travis em relação sua técnica ultrapassada, e uma discussão de como funcionarão as mecânicas dessa luta. Imagino que nem todas as escolhas foram propositais, ainda devem ter ocorrido algumas mudanças na produção, talvez coisa de orçamento, deadlines, problemas da covid, não imagino que é um jogo que foi feito no seu potencial máximo, longe de ser ruim, mas é bem estranho.

Seguindo os moldes do primeiro No More Heroes, aqui temos que ter um preparo antes de enfrentar os chefes, coletando dinheiro através de missões, que vão desde combate direto, à coisas como cortar grama, catar latinhas em áreas inundadas e com jacarés, defender-se de ataques de jacarés gigantes e outras coisinhas. O mundo aberto é dividido em áreas diferentes, enquanto algumas são cidades normais, até bem detalhadas considerando que não são interativas, outras são campos abertos com diversos objetivos e coletáveis por aí. Embora ainda parece um mundo de plástico e vazio, eu ainda gosto de ainda existir isso, pois acho legal de explorar, ficar procurando coletáveis, fazer os mais diversos minigames e batalhas. Prestando atenção no ambiente, também dá pra ver um cuidado em áreas como Santa Destroy e Perfect World, entretanto, não há muitos detalhes sobre as locações e mesmo as sidequests em estilo visual novel parecem meio perdidas no meio do jogo, sendo histórias com pouca relação ao enredo principal, ou mesmo contribuindo para o worldbuilding.

Acho que o maior problema dessa estrutura é em relação aos chefes, que não possuem uma fase antes de sua luta, tirando alguns casos, o que deixa o combate contra os inimigos comuns parte do mundo aberto e são necessários junto do dinheiro para liberarem os chefes. É uma decisão complicada justamente por não utilizarem os cenários do mapa, cujo o qual possui áreas inacessíveis, que eu pensava serem desbloqueadas depois, só que não, elas simplesmente estão ali para fazer volume, talvez sendo um indicador do que já mencionei dos problemas de desenvolvimento. Seria ao menos interessante ter sessões de combate que levam aos chefes em algumas dessas áreas, ao menos dando uma justificativa para elas existirem.

Ainda há algumas mecânicas que achei meio desnecessárias, há um crafting de chips, mas não os skill-chips, que são limitados para quatro, o que é uma pena considerando a variedade deles em Travis Strikes Again, o que gerava algumas builds legais com todas skills que você poderia usar. O craft faz chips que funcionam como modificadores passivos, aumentando dano, tempo de slow motion e etc. Único que achei realmente legal é o detector de coletáveis no open-world. Além disso, temos as barracas de sushi, fornecendo itens de cura durante a batalha e alguns refeições que dão algum bônus de stats para uma única luta. Enquanto é um sistema longe de ser inútil, seria bem melhor em um jogo com fases em si, ou ao menos se colocassem elas no meio de alguns desafios com lutas longas.

Em termos de mecânicas de combate, o jogo é uma evolução de Travis Strikes Again, trazendo-o mais perto dos dois primeiros NMH, com câmera nas costas, lock-on, agarrões, dark step e as execuções com a katana. De TSA, temos golpes fracos e fortes, pulos e os skill chips. As arenas de combate são limitadas a no máximo uns cinco inimigos, variando dos buchas de canhão para os mais fortes e complexos, com golpes letais, indo de longa distância à curta distância. Devido a câmera mais próxima, você tem que pensar bem em seu posicionamento, sempre lembrando que pode haver algum inimigo fora do seu campo de visão, fazendo até com que o adversário mais fraco possa te pegar desprevenido, principalmente pelo fato deles não terem sound cues antes de atacar. 

Desviar vira quase instinto no meio do combate e faz parte do perfect dodge, similar ao Dark Step de NMH1, onde você desvia no timing certo antes do golpe lhe atingir e tem um tempo em slow-motion, dando oportunidade para contra-atacar, usar chips, ou até recarregar sua katana. Há outras mecânicas, como dar um agarrão em inimigo atordoado recarregar toda energia da katana e a barra de Tension que aumenta conforme você acerta ataques e cai ao levar dano, são ótimas para quando você pega o jeito. E é um jogo que não tem muita piedade, com inimigos usando ataques constantes, até contra-atacando algumas de suas habilidades, lutar contra ondas de inimigos pode ser bem dificultoso, ao contrário da maioria dos chefes.

Jogar na dificuldade Spicy foi um bom desafio, principalmente no início com a falta dos chips e alguns upgrades de vida e ataque. Infelizmente, acho que os chefes podem ser fáceis com muitos upgrades, os primeiros são complicadinhos e outros mais a frente não foram muito problema, principalmente considerando que os encontros com inimigos normais foram se tornando cada vez mais difíceis. É possível dar rematch com eles a qualquer hora e até em outras dificuldades, fora dar um reset nos seus upgrades para criar uma dificuldade extra. Enquanto o elenco multicolorido dos chefões é muito legal, NMH3 traz algumas coisas inesperadas dentro dessas lutas, certamente não é algo que vá agradar todo mundo, eu fiquei meio decepcionado com alguns "twists", porém as abordagens diferentes para cada encontro trazem elementos minimamente interessantes, até tendo alguns usos únicos das mecânicas, como arremessar projéteis de um chefe de volta usando o skill chip "Death Force".

Por mais que acho admirável terem mantido o aspecto open-world e focar em deixar o combate com boa performance e ser muito extravagante com seus efeitos, ainda espero que uma versão para PC, ou console mais avançados, saia em breve. Seria bom ter uma edição nova, com algumas adições básicas, como as fases pré-chefes, mas ao menos ter uma versão onde o jogo possa rodar liso em todas as formas e sendo mais acessível. Imagino que hardwares menos limitados trariam algumas novas decisões em relação a estrutura, como as já mencionadas arenas de combate com poucos inimigos.

Acho ruim o fato de, em termos de história, ele ser mais parecido com No More Heroes 2, que era uma sequência focada na comédia e a violência, sendo aquele tipo de sequência mais "pop" e escrachada, o que até funcionava para época. No More Heroes III é totalmente descarado em termos de suas homenagens e inspirações, além da premissa totalmente diferente com suas batalhas épicas e o retorno de Travis, tudo pende para o lado da comédia e paródia, apesar de haver momentos chave que denotariam uma direção diferente. Enquanto ainda há muitas qualidades, ainda acho que faltou algo para ele ser tão marcante quando o primeiro NMH, fora a extravagância visual. Provavelmente tem a melhor primeira impressão de qualquer jogo mais recente poderia dar, só que não há um pico tão grande quanto o início, porém não chega a ter uma queda de qualidade drástica. É bom, divertido e hilário, só não é algo de outro mundo.

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