segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

Bayonetta - Duologia da Bruxaria

A PlatinumGames foi fundada por alguns ex-funcionários da Capcom, especialmente do sub-estúdio Clover Studios, responsáveis pelos clássicos Viewtiful Joe, Okami e God Hand. Apesar de serem jóias da sexta geração, não foram sucessos tão grandes quanto outras franquias da época, o que levou a falência do estúdio. Apesar de não ser oficialmente parte da linha da falecida Clover, Devil May Cry foi criado por um time interno da Capcom nomeado “Team Little Devils".

DMC foi dirigido por Hideki Kamiya, apesar do seu sucesso, a sequência foi feita na surdina pela Capcom e sem a participação do diretor, então a recém criada Platinum era a chance dele fazer um sucessor espiritual. Agora com o “Team Little Angels”, Kamiya traz Bayonetta, uma nova faceta de hack n’ slash/brawler que pega a base de combate com ranqueamento, combos e muito estilo de DMC, misturando com a esquiva e slow-motion de Viewtiful Joe. Costumam dizer que a moça do jogo homônimo é uma versão masculina do Dante, mas vai além disso.

Bayonetta 

A perspectiva externa em relação a Bayo, tanto a personagem quanto o jogo, parece ser muito mais em relação a sexualidade e a extravagância, que são chamativos grandes, porém são apenas um dos aspectos da franquia. Todo o desenvolvimento, design e concepção mostra essa ideia de criar um jogo de uma personagem feminina forte e sensual, e parte disso é mostrado num documentário chamado Eyes of Bayonetta, lançado com o artbook, onde podemos ver o por trás das cenas e toda complexa criação da bruxa dançarina diabólica.

A roupa preta de couro com tiras, os detalhes dourados, a abertura nas costas, o cabelo longo amarrado estilo “beehive” com uma tira vermelha, o óculos e a pinta embaixo do lábio foram meticulosamente escolhidos para mostrar tudo o que a Bayonetta representa em personalidade e seu estilo de luta. A bruxa imbui seu cabelo com mágica, cobrindo seu corpo em forma de sua roupa, que acaba desaparecendo conforme ataques fortes vão sendo feitos, criando formas “capilares” de punhos e pernas gigantes e demônios.

As suas armas principais são Scarborough Fair, dois pares de pistolas colocados nas mãos e nos pés, o que permite segurar os botões de ataque para atirar após socos e chutes. A jogabilidade é fundamentada nesses poderes e possibilita que o jogador faça coisas extraordinárias através de habilidades como desacelerar o tempo, andar pelas paredes, torturar seus inimigos e muito mais. É oferecido uma grande gama de combos e golpes únicos, alguns são comprados no Gates of Hell, loja do misterioso mercador Rodin.

Os combos podem parecer um tanto complicados devido a grande quantidade. A minha dica é só levar em conta que praticamente tudo começa com soco e o chute pode ocorrer no segundo ou terceiro golpe, eventualmente você vai entender o que é mais efetivo. O mais simples seria soco, chute. O que mais importa dos combos são os golpes finais onde mãos e pés gigantes aparecem e dão dano enorme, esses são chamados Wicked Weaves, parte fundamental da jogabilidade.

Outra ferramenta essencial é a esquiva, onde Bayonetta pode desviar de golpes com um botão, podendo ser pressionado três vezes seguidas e na direção que quiser. Uma esquiva realizada em tempo certo ativa o Witch-Time, garantindo uns segundos de slow-motion para você contra atacar. Aí combinamos os dois fatores mencionados, visto que você precisa finalizar os combos para gerar as wicked weaves, é possível deixar o botão de ataque pressionado, desviar e continuar o combo sem ser interrompido, essa técnica é chamada “Dodge-Offset”, sendo essencial para dominar o combate.

Encontros de inimigos que demoram minutos, podem ser reduzidos em segundos quando você pega o jeito, o que não acontecerá na primeira jogada. Joguei a campanha normalmente e tive resultados ruins nos rankings, só recebendo troféus de pedra e bronze. É desanimador, mas é uma forma de incentivar o jogador a tentar mais e aprender. Visto que poucas pessoas terminam seus jogos (19% dos usuários de Bayonetta na Steam pegaram o achievement de completar todos capítulos principais), ou muito menos rejogam, Bayonetta pode passar batido em sua melhor forma para o jogador médio.

Essas características de "replayabilidade" são comuns nos jogos de Kamiya desde o primeiro Devil May Cry, virando até uma característica padrão da série, bem como demais jogos da Platinum. Acho que uma vantagem que Bayo tem no seu sistema de ranking seria avaliar o jogador por partes na fase ao invés de pegar seu progresso todo, e o fato de focar apenas em 3 critérios: tempo, combo e dano recebido. É mais similar a Viewtiful Joe do que DMC. Também existem outros incentivos para rejogar, com segredos bem escondidos em todos capítulos, como missões e coletáveis, o principal sendo os “pedaços” de LP que liberam armas novas, cada uma tendo aspectos únicos e demais utilidades, como poder andar em cima da lava com botas de fogo, ou os patins de gelo.

As qualidades do jogo são visíveis, mas os problemas se tornam bem claros após jogar algumas horas. O pacing estranho, geralmente tacando uma porrada de cutscenes, algumas de longa duração, entre as fases, as mudanças de jogabilidade para minigames como um rail shooter e outras referências a jogos de arcade. Algumas dessas coisas são padrões do Kamiya e tem seu charme devido a apresentação, mas acho bem irritante ao rejogar, pois tenho que fazer uma sessão de um clone chato de After Burner para depois enfrentar um dos melhores chefes do jogo.

Há uma barreira de aprendizado onde não há muita piedade para o jogador novato e alguns sistemas são mal ou pouco explicados. Outros fatores como as mortes instantâneas, os quick-time events muito rápidos e com mash button severo são pedras no caminho de um excelente jogo. Esse tipo de coisa pode azedar a experiência, o que rolou comigo, visto que demorei pra terminá-lo no lançamento para Steam em 2017, só fui jogar novamente esse ano e ainda me irrito com esses problemas.

Há cenas interrompendo a gameplay com certa frequência, especialmente no início e final da campanha. A melhor coisa que o jogo não menciona é capacidade de pular cenas com a combinação de deixar pressionado o gatilho direito (R2, RT) e apertar select. Falando nas cenas, elas são divididas entre cenas normais, com personagens se movendo e dialogando e pseudo-slides com imagens estáticas em cima dum layout de rolo de filme, é estiloso, só acaba parecendo meio baixo orçamento, apesar da qualidade técnica em praticamente tudo.

Bayonetta esbanja qualidade com lutas, coreografias e animação extrapolante, além do trabalho de dublagem que traz charme e carisma aos personagens. O trabalho de animação é totalmente feito para funcionar com o combate, o que pode ser visto pela maioria dos golpes que tem uma girada da pistola, após apertar o botão e largar, o som e animação são indicadores para o timing para fazer combos com golpes que precisam de um atraso entre os inputs.

Infelizmente, foi lançado na era do 360, 7ª geração, onde os jogos mais populares tinham um filtro sépia, que dá um tom estéril e feio, principalmente devido ao cenário principal ser Vigrid, uma cidade europeia com estética pré-Renascentista. E já que foi mencionado, o lançamento original no Xbox 360 e PS3 tinha alguns problemas de performance, a de PS3 é mencionada como uma das maiores vergonhas para Atsushi Inaba, produtor do jogo. Até onde sei, os ports de PC e Switch/WiiU não possuem problemas de performance, os da Nintendo até possuem roupas novas baseadas em personagens da Nintendo e uma arma extra.

Pouco comentei da história em si, que, apesar de gostar um pouco, acho ela intrusiva e um pouco bagunçada. É uma jornada de uma moça amnésica que se depara com mais um trabalho em sua luta contra anjos, até encontrar outra mulher com técnicas parecidas chamada Jeanne. Indo atrás dessa outra bruxa leva a revelação por trás de sua amnésia, se originando após um confronto entre dois clãs, as Umbran Witches e os Lumen Sages. Bayo fazia parte do clã de bruxas e os anjos trabalham para o último Sage, que pretende acordar uma entidade divina e recriar o mundo. 

Como é possível ver, anjos não são tão “angelicais”, visto em seus designs, onde por trás da estética de querubim e rosto de estátua, existem seres monstruosos. A narrativa trabalha com viagem no tempo, onde a criança encontrada no meio da campanha, Cereza, é muito parecida com a Bayonetta e eventualmente descobrimos que ela é a própria protagonista, também revelando que o vilão principal, Balder, é o pai da Bayonetta.

Esse vínculo familiar é pouquíssimo explorado nesse jogo, focando mais na relação da heroína com Cereza e Luka, um jovem em busca de vingança pela morte de seu pai, aparentemente morto pela Bayo. Apesar desse núcleo ser mais focado numa parte cômica, acabam sendo os personagens de maior destaque para toda história e que mostram que mesmo a senhora fodona, loba solitária e provocadora, Bayonetta ainda se importa com outras pessoas, o que também é visto na relação com Jeanne, sua amiga de tempos passados, que se tornou sua rival devido a lavagem cerebral.

Acredito que não vale aprofundar mais na história, há bastante detalhes e uma mitologia toda nos arquivos coletados durante a campanha, mas não é do meu interesse. O básico é esse confronto entre clãs que vigiavam o mundo antes de se extinguirem, então a heroína tem que impedir o próprio pai de ressuscitar O Criador para fazer um novo mundo sobre a ordem desses anjos, e essa trama não acaba por aqui.

Bayonetta 2

As vendas do primeiro jogo não foram lá muito boas, ou talvez não tenha sido o suficiente para a Sega, que também não estava na melhor situação financeira na época. Acredito que deve ter algo a ver com a cultura de videogame da época, talvez, Bayonetta fosse difícil para o público médio da época, ou talvez a extravagância era demais para uma geração focada em shooters e narrativas “sérias”, era um amadurecimento meio "raso".

A Platinum passou por poucas e boas em seus anos iniciais e uma sequência de Bayonetta tinha sido vetada pela Sega, felizmente, a Nintendo mostrou interesse e financiar o desenvolvimento do novo capítulo dessa saga. Claro que isso gerou uma revolta da playerbase vinda do Xbox 360 e PS3, porém seria impossível haver um novo jogo sem a Nintendo, óbvio que esse acordo não foi feito por boa vontade, foi mais para criar mais um atrativo para o pobre WiiU.

Bayonetta 2 é aquele tipo de sequência que segue os passos do original, até graficamente, com a vantagem de já ter toda engine base além de não ter o filtro sépia, deixando o jogo colorido e bem mais bonito. O elenco principal é quase o mesmo, agora com redesigns, o que pode ser visto na capa, onde Bayo está com cabelo curto, detalhes em prata e uma espécie de penugem pela roupa e alguns itens azuis para ressaltar a cor “principal” desse título, ao contrário do anterior que utilizava vermelho/carmesim. 

A nova história começa após Bayo ser atacada durante suas compras no Natal, e após uma batalha em alta velocidade em cima de um caça, Gomorrah, uma das invocações da protagonista, se revolta contra sua invocadora, acidentalmente causando a morte de Jeanne, motivando a protagonista a encontrar uma forma de entrar no Inferno e salvá-la. No meio do caminho, pela cidade de Noatun, Bayonetta esbarra em Loki, um fedelho amnésico com poderes mágicos e que está sendo perseguido pelos anjos.

Os dois procuram a montanha de Fimbulventr, onde Loki pode descobrir o mistério de suas  memórias perdidas e Bayonetta encontrará os Portões do Inferno. No fim das contas, você descobre que o garoto é a metade “boa” do Deus Aesir, sendo sua outra metade maligna Loptr, o vilão principal. Você também enfrenta um Lumen Sage mascarado, que nada mais é que Balder jovem, manipulado por Loptr à enfrentar a protagonista.

Apesar de ainda não ser uma trama incrível, o jogo faz um outro ciclo do tempo e explica melhor a guerra dos clãs e o relacionamento de Balder com Rosa, visto que ele só aparece como um vilão sem muita profundidade no primeiro jogo. Após entender que foi enganado, Balder se une aos "mocinhos" para derrotar o Aesir, mas sacrifica seu corpo para selar o vilão, tornando-se o antagonista do título anterior e dando algum sentido para essa linha do tempo maluca.

Porém a franquia continua sendo bem aquém em termos de história, ficando muito para trás de seu primo distante Devil May Cry. Não consigo ter tanto investimento na trama, ainda mais que boa parte dela parece meio jogada, como a premissa de salvar Jeanne ser pouco relevante ao todo, servindo só para engatilhar os eventos principais. Depois a Jeanne fica ali por que sim e eventualmente Luka aparece também. Não que história seja um grande motivador dentro desse gênero, mas se eles querem contar algo, precisam se esforçar mais.

Bayonetta 2 seria a sequência perfeita se não fosse um detalhe: a jogabilidade. Os controles são praticamente os mesmos, os golpes também, com algumas mudanças e adições, a maior sendo a nova mecânica “Umbran Climax”, um modo especial que gasta sua barra de magia em troca de um período com golpes gigantescos e devastadores. O combate acaba sendo focado em conseguir entrar no UC e destruir os inimigos assim, sendo que encher a barra é mais demorado e seus Wicked Weaves ficaram mais fracos.

Em compensação, Bayonetta 2 é mais casual e fácil de jogar, não tendo nenhuma curva brusca de dificuldade ou sessões muito irritantes. Mudanças na estrutura de um jogo são esperadas em uma continuação, é até algo que ocorre de forma mais drástica em Bayonetta 3, só que as mudanças de Bayo2 denotam a falta de um entendimento do que fazia o antecessor tão bom. Após me aprofundar um pouco no primeiro jogo e jogar o segundo pela primeira vez, é um tanto incômodo jogar uma versão aguada de uma jogabilidade que funcionava tão bem. 

Para não dizer apenas coisas ruins das lutinhas, há novas armas ótimas, como o martelo Takemikazuchi, a foice Chernobog e as serras Salamandra, algumas tem golpes similares as armas dos anjos do 1, mas agora possuem um moveset completo e são excelentes de usar.

Outro aspecto piorado são os chefes que, apesar de proverem setpieces e momentos legais, decepcionam nas lutas, e há bastante chefes pelo jogo. Os defeitos de algumas batalhas são por serem simples demais, onde você precisa só desviar e bater já que o inimigo tem animações de ataques previsíveis. O pior caso são os chefes que vão bloquear e desviar da maioria dos seus ataques, dependendo do Umbran Climax para poder infringir algum dano. 

Diria que os chefes são o pior aspecto por ou não serem notáveis, ou apenas inconvenientes, até mesmo o último chefe é um balde de água fria. Mesmo tendo uma opinião mais negativa do segundo título, ele ainda tem o DNA do que fez o antecessor bom, o que coloca ele acima de muitos outros jogos de ação do gênero e faz valer a jogatina, fora que os problemas não estragam a experiência 100%, só deixam aquele sentimento de "poderia ser melhor".

No final das contas, é possível que essas mudanças são feitas de propósito, apesar de algumas coisas parecerem orçamento mais baixo, como basicamente não ter nada de cutscenes muito impressionantes fora o início e o final. Bayonetta 2 tem um diretor diferente e Kamiya supervisiona os projetos da série. Ele já demonstrou interesse em continuar a franquia, até mencionando conversas dentro do estúdio sobre fazer 9 jogos, então pode ser que tenhamos conceitos cada vez mais distintos a cada novo jogo.

Resolvi falar dos dois primeiros jogos num artigo só por eles serem parecidos, acho que escrever dos dois separados ia acabar ficando repetitivo e é legal poder fazer algumas comparações. Vendo por cima, Bayonetta 2 parece ser uma melhora em tudo, mas acaba pecando em uma parte essencial, só que nem é algo essencial para todo mundo. Há muito para se gostar em Bayonetta e acredito que muitas pessoas gostam mais o espetáculo e a protagonista badass do que se aprofundar nas mecânicas de combate.

Bayonetta 3 já foi lançado e deixei para falar dele separadamente, devido a ser um título mais recente e possuir muitas diferenças da duologia. Diria que o Bayonetta é fácil de gostar, difícil de amar, é tipo um hobby muito específico, quando você entra de cabeça nesses tipos de jogos, há todo um universo novo de mecânicas para aprender. Obviamente, não é o padrão dos games nos últimos anos, certas decisões de design de Hideki Kamiya tem um apelo mais hardcore, digo isso pois seus outros títulos como Wonderful 101, Devil May Cry 1 e Viewtiful Joe também possuem características similares.

Nascendo em um ambicioso projeto injustiçado na sétima geração, depois se tornando uma franquia importante da Nintendo, garantindo um lugarzinho em Super Smash Bros, traumatizando muitos jogadores competitivos da fase final de SSB WiiU, a bruxa deixou sua marca no mundo dos videogames e ainda promete mais, mesmo que o terceiro título tenha uma recepção polarizada e promete mudanças drásticas para o futuro da franquia, mas isso é papo para outra hora.

Nenhum comentário:

Postar um comentário