quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

O episódio piloto de The Last of Us


Desde seu lançamento em 2013 The Last of Us passou por um processo de adaptação aos cinemas pelas mãos do Produtor Sam Raimi e essa operação explica o fracasso retumbante das adaptações de jogos em Hollywood já que de acordo com Neil Druckmann, o filme transformaria The Last Of Us em Guerra Mundial Z. O que mostra a total incompreensão dos executivos de cinema da Indústria sobre o teor dos jogos de videogame e a adaptação para o cinema acabou morrendo devido a insatisfação de Druckmann com os rumos do projeto. 

Em 2020, Craig Mazin(Chernobyl) foi convidado para uma reunião com a Sony e escolheu justamente The Last of Us para adaptar em uma série para a HBO que de imediato aprovou a produção em parceria com a recém fundada Playstation Studios.

Mostrando uma lealdade inabalável ao material original, Mazin convidou Druckmann para ser o criador da série sendo o roteirista do show ao seu lado e também o diretor em um dos episódios. No que parece ser a equação perfeita para criar uma série de sucesso. Juntando duas pessoas de comprovada competência para adaptar uma IP popular com uma história bem rica com personagens cativantes.


"Quando estiver perdido na escuridão"


Resumidamente, The Last of Us conta a história de Joel Miller, um contrabandista que é incumbido de escoltar uma menina(Ellie) até Washington para um grupo revolucionário chamado Vagalumes.

O episódio piloto abre com a assinatura de Craig Mazin em um vídeo de um talk show bem humorado de 1968 falando sobre a possibilidade de um fungo parasita começar a evoluir devido a mudanças climáticas e conseguir possuir humanos. A negligência de ações para se prevenir de algo iminente é um assunto que Mazin parece gostar de abordar já que seu trabalho anterior girava sobre esse mesmo tema. Após isso a abertura da série começa com os acordes inconfundíveis do Charango de Gustavo Santaolalla. O primeiro arrepio que a série causa.

De fato o inicio do episódio é primoroso, funcionando como uma expansão do que vimos no jogo, por exemplo, ao decidir iniciar a trama de Joel horas antes do começo do próprio jogo(quando sua filha entrega o relógio para ele), isso acaba nos dando um estofo maior para a personagem e seu relacionamento com seu pai. 

E o jeito que tudo isso leva ao Outbreak Day(quando a infecção começa a se espalhar  de maneira massiva) é brilhante, ao utilizar uma simples anotação do jogo como uma parte essencial do episódio ao mostrar os trágicos assassinatos cometidos pela Sra Adler, a fuga de Joel, Tommy e Sarah de seu bairro torna-se ainda mais traumática. Assim como no jogo, toda essa introdução forma uma base muito sólida para a jornada pessoal de Joel. E destaque para a direção de Craig Mazin, a condução quase sem cortes aparentes até o acidente com o carro de Joel e sua família é brilhante e evoca perfeitamente o clima caótico da situação sem apelar para uma edição rasteira e caótica como é costumado a se fazer.

Porém, a história poderosa do material base poderia se perder se não fosse seguida pelos atores e The Last of Us da HBO se mostra um primoroso acerto nesse aspecto. Começando por Pedro Pascal, ele aborda Joel de uma maneira diferente de Troy Baker mas igualmente fascinante, desde o principio surgindo de uma maneira mais leve que o Joel dos jogos no período pré-tragédia, a transição de um Joel espirituoso para uma pessoa quase totalmente fria é ainda mais potente, e esse enrijecimento de sua personalidade é transposta perfeitamente por Pascal como vemos na cena em que ele joga o cadáver de uma menina ao fogo como se tivesse descartando um lixo qualquer(perceba o contraste em sua postura atual e a do dia do incidente) mas ele ainda mantém conexões humanas com seu irmão Tommy e sua parceira Tess e uma ação de Joel no fim do episódio é uma rica adição a personalidade do personagem em relação ao que existe no jogo.

Bella Ramsey também encarna Ellie de uma maneira diferente do jogo, Ellie aqui é um pouco mais irritada e instável o que é compreensível já que ela é posta em uma situação mais tensa mas com uma personalidade tão forte quanto a do jogo e em sua primeira cena já estamos completamente investidos na personagem.

Com um roteiro que se preocupa em investir nas relações humanas entre seus personagens e a própria imersão na narrativa de uma maneira que seja fiel ao videogame, visualmente The Last of Us incorpora os elementos do jogo original como usar cores mais fortes para iluminar sua fotografia e que por consequência foge do clichê do subgênero que frequentemente usa cores mais pesadas para ilustrar os ambientes, apesar de não ser algo original(Zack Snyder usou esse artificio na sua versão de Madrugada dos Mortos) funciona muito bem para nos dimensionar nesse novo mundo que nos é apresentado e ver os cenários do jogo sendo fielmente reconstruídos é um de vários momentos de aquecer o coração que esse episódio piloto nos traz.

Mas tendo a proposta de ser fiel, The Last of Us não se omite em fazer importantes alterações em relação ao material original e isso se aplica aos infectados, a infecção afeta de maneira diferente os doentes e tentáculos começam a sair de seus corpos começando por sua boca criando uma espécie de infectado totalmente nojenta que dá um frio na espinha e a maneira que eles se movimentam é totalmente mais agressiva que no jogo e parece ser inspirada nos zumbis de Invasão Zumbi(2016), eles são bem mais rápidos e também mais fortes pois usam o próprio corpo para se livrar dos obstáculos que deixa as sequências de perseguição totalmente apavorantes e imprevisíveis. Também é interessante como o roteiro sutilmente demonstra o poder desse fungo ao mostrar uma idosa com problemas neurológicos tão agraves que deixa ela acometida e quase catatônica em uma cadeira de rodas e ela ser "consertada" pelo fungo a transformando em uma atleta nos apresenta um paralelo perturbador, enquanto sua questão física é totalmente curada(e aprimorada) pelo Cordyceps(o fungo), sua mente é levada por um propósito maldito.

A direção de arte é maravilhosa e a decisão de filmar os cenários com câmeras em alta profundidade faz esse episódio ficar ainda mais bonito, tem algumas tomadas que são verdadeiros wallpapers, minha favorita é a da menina caminhando em direção a uma base militar num plano que mostra uma cidade apocalíptica ao fundo e a tomada final pela perfeita criação de uma área do jogo embalada por uma das mais belas canções dos anos 80.

Também é impressionante como o diabo mora nos detalhes nesse episódio, algum dos acontecimentos são explicados quase que por meio de easter eggs(como a infecção se espalhou por exemplo) e falando em easter eggs o episódio piloto contém dezenas que dificilmente serão reconhecidas em apenas uma assistida.

O episódio piloto de The Last of Us venera o jogo original de maneira tocante e sincera, é sensível em suas alterações e certeiro em suas adições que tornam sua história tão rica quanto a do material original. Um começo muito forte para uma adaptação de um jogo tão amado.

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