Fiz a prova de literatura semana passada, então nessa semana
meu professor estava livre para falar sobre o que quisesse na sala de aula e
sendo um nerd que deixa de corrigir as provas para jogar videogame e ler quadrinhos,
ele decidiu falar sobre games conosco e lançou essa pergunta no início de uma
das aulas: “Games são arte?” e como nerds que deixam de ter uma vida social
para jogar videogame e ler quadrinhos, o consenso geral na sala era que sim,
games são arte.
Mas por quê?
Dentro de uma aula de literatura é de se esperar que seus participantes (e eu incluso) acabam se atendo à narrativa dos games e sua eficiência em contar uma história. Essa discussão foi feita, inclusive, num vídeo do Davy Jones em seu canal principal, o GameplayRJ, enquanto ele jogava GTA V com sua trupe de amigos, os piratas. A discussão girava em torno de qual é a melhor forma de se contar uma história. Um literato purista facilmente iria se ofender ao assistir o vídeo, porque eles chegaram à conclusão de que livros são a pior forma de se contar uma história, mas a questão a que eu quero me ater é que eles também concluíram que videogames são a melhor forma de se contar uma história, pelo motivo de que os desenvolvedores não só criam algo mais dinâmico que um livro, como ainda não estão limitados pelo tempo de tela que um filme está e ainda abrem a oportunidade para que você participe dessa história.
Isso é interessante e eu acho que eles têm razão, porque, de
fato, não há forma melhor de se contar uma história do que fazer o seu
interlocutor se sentir no meio dela e videogames não só inserem o jogador
dentro da dela, como ainda te dão a sensação de que você está no controle
de tudo ali, apesar de todos os seus movimentos já terem sido previamente
programados.
Narrativamente, games são ainda capazes de expandir nossa
própria compreensão de narrativa. Tome como exemplo a luta de Kratos contra
Poseidon em God of War 3. Assista clicando aqui.
God of War é um jogo ousado nessa questão, pois ele é um
jogo em 3ª pessoa, mas em momentos cruciais usa a 1ª pessoa. Existem livros,
filmes e séries que fazem isso, mas essa luta em especial é diferente, pois o
jogo nos coloca no papel de Poseidon, enquanto ainda controlamos o Kratos. Estamos nos derrotando e nos assistindo, algo que só pode ser chamado de visão
em 2ª (!) pessoa.
A narração em 2ª pessoa é comum em músicas e gêneros
textuais, mas é raro encontrar romances que são sustentados por essa modalidade
narrativa. Mais raro ainda é encontrar uma história de ação narrada em 2ª
pessoa. Algo assim seria no mínimo inusitado, mas ninguém contestou isso quando
God of War 3 foi lançado lá pra 2010.
Narrativa em games é algo diferente, há de se criar novos
parâmetros para que se possa analisa-la, até porque existem games onde não há, de
forma incisiva, narrativa. Como em Journey, onde você passa o jogo todo sem
saber o nome do seu personagem, seu objetivo ali naquele mundo, como ele foi
parar ali e onde exatamente é ali. Se você aplicar as perguntas básicas de uma
narrativa, o quem, porque, como, onde e
quando a Journey, não encontrará respostas e ainda assim a experiência que os
jogadores tiveram com o game na época de seu lançamento foi gratificante e
ninguém nega que isso é arte.
Mas um dos aspectos que mais chamaram a atenção da crítica
especializada quando Journey fora lançado não foi sua narrativa, mas sua arte minimalista e vibrante. A mesma coisa pode ser dita de Limbo, que apresentava
uma arte fortemente inspirada pelo expressionismo alemão e digna de nota. Era
arte.
Mas se era arte quem era o artista por trás daquilo?
Por que se é arte, tem um artista. E no caso de um game,
participam da equipe de produção uma vasta gama de profissionais, entre eles o
desenhista que faz os esboços que servirão de base para que o game seja feito,
sendo de sua responsabilidade a criação dos personagens, seus estilos e toda a
atmosfera do jogo que irá afetar diretamente a experiência dos jogadores. No entanto,
o responsável por levar todos esses desenhos à tela do computador ou televisão
ou do videogame portátil não é o desenhista, é o programador, que fica
labutando na frente de um computador horas e horas, todos os dias, criando e
revisando linha por linha da programação por trás do game para fazer com que os
desenhos ganhem vida.
Então, um programador é um artista? Se ele for um artista,
então é justo que em cursos de programação ou de engenharia de computação, os
graduandos estudem e conheçam princípios artísticos, porque eles são artistas.
Não é bem assim. O que diferencia o trabalho de um
programador do de um desenhista no processo de criação de um game é o mesmo que
diferencia o trabalho do pintor de paredes da Capela Sistina e o trabalho do
Michelangelo. Eu posso aprender programação, é algo trabalhoso, mas só exige
técnica, da mesma forma que eu posso aprender a pintar paredes da forma mais
eficiente possível, mas bolar e trazer ao papel os cenários de Journey ou
pintar o encontro de Adão com Deus exige talento e isso é o que diferencia
artistas de meros trabalhadores braçais. Por mais que o programador tenha se
matado pra criar o código de Journey ou de Limbo, o seu trabalho não é
incomensurável e poderia ser feito por qualquer um.
É claro que existem programadores que também são artistas,
da mesma forma que Michelangelo também era pintor de paredes, mas o cerne de
todo essa linha de pensamento é questionar o principal em qualquer obra de arte
que é o seu valor como obra de arte ou, como diriam os estudiosos de arte, qual
é a poética dos videogames?
Isso é difícil de responder, até porque videogames reúnem em
si algumas das principais características de todas as obras de arte, há
fotografia, música, texto, narrativa e até movimentação dentro do reino dos
videogames, então a pergunta mais fácil seria a de descobrir o quê, dentro dos
videogames, não é arte.
E uma resposta muito comum e que encontra certo embasamento
é a da finalidade dos videogames. O problema dos games é que eles têm um fim.
Nós jogamos videogames para jogar, não é a mesma relação que temos com uma
pintura, por exemplo. Tudo bem, eu compro uma pintura para admirá-la, olhá-la
em casa e enfeitar o cômodo onde ela está, mas a minha relação com determinada
pintura vai ser diferente da pessoa que visita a minha casa. Quando eu olho
para uma pintura, eu sinto algo, ela me diz alguma coisa. Quando você olha para
a mesma pintura, ela te diz outra coisa. O mesmo não ocorre com os games, pois
quando eu jogo um game, jogarei ele da mesma forma que você. Alguns jogos, como
Far Cry te dão a possibilidade de jogar de formas diferentes, você pode fazer
tudo sozinho, pode fazer em dupla, pode jogar no modo mais stealth ou sair
explodindo tudo, no entanto, isso não muda de forma drástica a sua experiência
do jogo, pois ainda é um jogo de aventura e quem o joga, gosta de games nesse
estilo.
E num olhar mais subjetivo, artes sempre tiveram uma
intencionalidade por trás, mas digamos que ela era menos relacionada a uma
demanda de mercado e excitação por uma tecnologia e mais com os preceitos
morais da sociedade. Voltando a Michelangelo, ele não pintou o teto da Capela
Sistina porque ia receber muito dinheiro do papa ou porque tinha um novo
conjunto de pincéis importados da China para testar, ele pintou aquilo para
honrar a Deus e eu não conheço nenhum game feito para honrar a Deus.
No entanto, isso não deveria ser um problema para a forma
como encaramos videogames como obra de arte, pois nem todas as obras de arte
são feitas com uma intencionalidade tão subjetiva assim e talvez a maior questão não seja se videogames são arte ou não, mas em que pontos os
videogames mudaram a nossa percepção do que seja arte.
Então, respondendo finalmente a pergunta do título do post,
sim! Videogames são arte, mas assim como quadrinhos não são literatura e
Netflix não é cinema, videogames não podem ser medidos com nenhum parâmetro já
definido pelas outras artes, pois videogame não é cinema, escultura, música,
teatro ou literatura, videogame é videogame e na falta de palavra melhor, o
nome de sua arte é essa: videogame!
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