sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

Review - Shovel Knight: Treasure Trove

Nascido do Kickstarter através de uma empresa de ex-membros da Wayforward, Shovel Knight teve uma campanha bem sucedida, o que eu particularmente acho estranho hoje, sendo uma IP totalmente nova, só botarem fé em desenvolvedores que não eram tão conhecidos, ao contrário de uma figurona como Inafune ou Igarashi.

Pelo menos era a época onde campanhas de financiamento eram novidade e davam a chance aos jogadores em apoiar os desenvolvedores diretamente. Acredito que seja um caso parecido com A Hat in Time, onde os desenvolvedores souberam vender o seu peixe e escolheram um gênero que atraía atenção, assim como o estilo de arte e personagens.

A Yacht Club tomou seu tempo e entregou o seu simpático joguinho, onde um cavaleiro azulado e sua pá fiel saíam por cenários pixelados, enfrentando a trupe de outros cavaleiros. Enquanto Shovel Knight tem maiores influências de Mega Man, ele também é inspirado por diversos clássicos do Nintendinho. Mapa de Mario 3, o “pogo” do Tio Patinhas de Duck Tales, o vilarejinho de Zelda 2, itens à la Castlevania e etc. O importante é que isso serve de base, não parecendo uma cópia, e sendo mais uma ode à era de 8-bits. 

Claro que o jogo traz coisas modernas como um número “saudável” de checkpoints e nada de continues e game overs. A única penalidade para morte é perder dinheiro, que podem ser recuperados, ou você morre antes disso e perde eles definitivamente, praticamente as almas de Dark Souls. E o dinheiro não é exatamente essencial, dá pra zerar fácil sem, mas certamente é um facilitador, fora o fato de que, se você foi atrás de meter a pá no cenário e coletar as coisas, perder isso dá mais cautela.

O jogo é separado em fases acessadas pelo mapa, onde a maioria são os domínios de cada cavaleiro da Ordem Inclemente (Order of No Quarter), o grupo do mau liderado pela Feiticeira (Enchantress), uma figura conhecida pelo protagonista. Além disso, há cenários como vilarejo, onde você pode fazer upgrades, comprar coisinhas e conhecer as pessoas deste mundo.

A estrutura das fases procura diferenciá-las com aspectos únicos, como água na “Iron Whale”, domínio do Treasure Knight, onde plataformas desaparecem após pisar nelas. Outro exemplo é a neve que pode cair nos espinhos para gerar caminhos seguros na fase do Snow Knight, inclusive é uma mecânica que faz parte da luta do chefe. O design de fases são separados por "telas", apresentando ideias e desafios diferentes e sempre dando um tempinho pro jogador aprender o "conceito" da vez.

O próprio Shovel Knight é um personagem bem tradicional em termos de jogabilidade, tendo o chiste da pá, que serve como arma principal, que além de atacar, pode cavar alguns elementos no cenário, e fazer o “pogo” para quicar nos inimigos e objetos. Além de ter alguns itens alternativos que ajudam no combate e na movimentação. De resto, ele se assemelha bastante aos clássicos do Nintendinho devido a esse ritmo um pouco mais lento e acho que é até por isso que, das quatro campanhas, acho a menos boa.

O design das fases e posicionamento de inimigos é bem estruturado e tem uma curva de dificuldade justa, mas não sendo muito difícil justamente pelos checkpoints. O jogador tem até a chance de quebrar o checkpoint para ganhar algum dinheiro e ter um desafio a mais, e sair da fase sem completá-la, faz você perder tudo. O dinheiro é geralmente a sua recompensa por ficar catando os segredinhos no cenário e isso pode ser usado para upgrades diversos.

Os chefes são de qualidades variáveis, nenhum sendo muito ruim, só alguns são mais interessantes que outros. Ao menos, o jogo permite que você ataque eles sem perdão, poucos com i-frames e coisas parecidas, então é divertido usar alguns dos seus itens e demolir os chefes em segundos.

Narrativamente, não é algo muito complexo, tem seus momentos bobos e engraçadinhos que dão charme numa história básica. Porém, acho que ele faz personagens muito simpáticos e momentos memoráveis. Entre aventuras, Shovel Knight descansa em frente a fogueira, e tem sonhos com seu passado e sua ex-companheira, Shield Knight. É algo que sempre chama atenção em meio a jogatina para você dar uma certa moral para história.

Por mais simples que seja, ainda chama atenção, mesmo para mim que não deu muita bola. As interações entre Shovel Knight e os outros cavaleiros e NPCs, dá uma ideia básica desse mundo e os acontecimentos, mas acho que o mais importante é a pixel art. A própria cena do protagonista descansando na fogueira por si é muito bonita, e há outros momentos no jogo que ficam eternizados pela arte, além da animação.

Posso até estar exacerbando essa parte, porém fui pego de surpresa pela narrativa. A soma da apresentação mais a escrita me parecem genuínas, acima de tudo, pois realmente estava me importando com os acontecimentos e me emocionando com as cenas, em particular, os finais de cada campanha.



Acho que a maior qualidade de Shovel Knight, ou melhor, da campanha Shovel of Hope, é ela ter essa base sólida e consistente. É um jogo que se inspirou muito em jogos de plataformas antigos e fez de um jeito mais amigável, mas acho que está longe de ser o destaque maior do pacote de Treasure Trove.

O sucesso da campanha do Kickstarter fez com que outras 3 campanhas saíssem como DLC e focando nos outros personagens da história, os outros cavaleiros. Então você pode jogar com chefes, o que pode gerar propostas interessantes. São as 3 campanhas: Plague of Shadows, Specter of Torment e King of Cards, focadas em Plague Knight, Specter Knight e King Knight respectivamente.

Apesar de Plague of Shadows usar os mesmos cenários da campanha principal, é uma perspectiva nova com desafios diferentes, tudo devido ao personagem principal. Plague Knight é um personagem meio lento, com um pulo curto e meio desengonçado, e também um pulo duplo. O foco são seus ataques, podendo jogar frascos explosivos e carregar o ataque para gerar uma explosão ao seu redor, causando dano e arremessando-o.

Jogar com Plague Knight é o maior diferencial, apesar de não ser muito fã das habilidades serem separadas e envolverem mudar coisas como sua explosão carregada, tempo de explosão de suas bombas e arco do arremesso. Acredito que poderiam condensá-las dum jeito mais dinâmico dentro do esquema de controle. Há diversas opções de como seu Plague Knight vai ser e acho que isso é bem divertido.

Assim como a campanha principal, você pode quebrar alguns chefes, até sem utilizar recursos adicionais, só a bomba padrão pode fazer um stunlock e prender o chefe em um ciclo de apenas tomar dano. Pode ser quebrado, porém sempre é divertido. E não é aquela coisa que você vai fazer tão facilmente e essa é a parte da graça do Plague Knight. Leva um tempo pra se acostumar com todo o pacote, mas eventualmente bate aquela luz e você está por aí explodindo cenários e voando.

A história se passa durante a campanha de Shovel of Hope, enquanto Shovel Knight tenta salvar o reino da tirana Enchantress, Plague Knight quer as essências de todos os cavaleiros para criar uma poderosa poção com ajuda de sua trupe, especialmente sua assistente Mona. Apesar do clima mais cômico, a história tem o mesmo charme da campanha principal, diria que até mais, já que Plague é um personagem divertido com sua personalidade de cientista maluco, e a narrativa toma um rumo um pouco inesperado.

Um dos fatores mais legais é como a Plague of Shadows se passa simultaneamente com o jogo principal. Plague Knight não pode entrar nos locais normais, ainda mais por ser um vilão. Logo, há formas diferentes de entrar nos lugares e interações diversas com os personagens. As mesmas qualidades da campanha principal se mantém nas outras, só acho que fica mais interessante com esses personagens. E de todos “heróis”, o meu favorito foi Plague Knight justamente pela jogabilidade tão distinta, fora o personagem em si e seus aliados serem divertidos. Felizmente, a Yacht Club fez boas decisões em fazer duas campanhas desse jeito e as outras duas terem outra pegada.

Specter of Torment foca no trágico Specter Knight, um personagem mais “trevoso” e maligno, que pode ser facilmente esquecido devido ser uma das primeiras lutas, o que curiosamente se aplica aos outros protagonistas. Apesar de um pézinho no humor, especialmente em algumas sidequests, é mais uma história triste que leva aos eventos principais. Não acho que a história dessa campanha seja tão instigante, porém é legal ter essa perspectiva nova e um personagem mais “edgy”, sem ser tão exagerado. 

Já em termos de jogabilidade, Specter Knight possui ferramentas únicas, especialmente sua habilidade de escalar paredes e atacar inimigos e objetos no ar para ganhar impulso. Mais uma vez, o level design é bem resolvido e cria uma sensação muito boa de controle do personagem.

A campanha mostra Spectre recrutando cavaleiros para a Order of No Quarter da Enchantress, então são os mesmos chefes e os mesmos locais, só que acessados através de um hub, ao invés de mapinha. Felizmente, cada chefe tem coisas novas e as fases possuem as mesmas gimmicks e visuais, mas com layouts diferentes. Fora que, assim como Plague Knight, Specter interage de forma diferente com os elementos, como usar bolas de canhão para impulsionar seus pulos.

Enquanto Shovel of Hope pode ser Mega Man, Specter of Torment pode ser comparado com Ninja Gaiden. É algo mais rápido que um platformer normal e com uma histórinha dramática no fundo. O fato de ter cenários novos é um grande incentivo a jogar a campanha, comparando com Plague, entretanto, acho que o que dá pra ressaltar em cada uma das campanhas é: cada uma é um jogo diferente, especialmente a próxima.

Por fim, King of Cards encerra o pacote de Treasure Trove com uma majestosa campanha, uma prequel, mostrando King Knight derrotando os três Juízes do Joustus, um jogo de cartas, onde quem derrotar os juízes, ganhará uma grande recompensa e o título de Rei das Cartas. Como o protagonista não é um rei, só é um cavaleiro com temática de rei, ele decide ascender ao título com isso, mas como as regras não especificam como você precisa derrotar os juízes, King Knight decide que será na porrada, ou melhor, na ombrada.

O principal golpe de King Knight é uma ombrada que o joga pra frente, batendo contra inimigos e o cenário, faz com que ele entre num pose giratória, possibilitando que ele quique nas coisas, e após quicar uma vez, ele pode dar uma ombrada de novo. É bem mais simples que parece, só leva um tempo para se acostumar e você pode fazer coisas incríveis com essas mecânicas. O sistema de itens em King of Cards é o que tem mais habilidades interessantes, aumentando ainda mais a gama de jogabilidade do King Knight.

Dessa vez, você acessa as fases num mapa, só que elas são bem mais curtas, o que possibilita haver mais, fora que o mapa de fato faz diferença, já que existem caminhos diferentes em algumas fases. De todas as campanhas, essa é a mais robusta, com mais conteúdos e coisa pra fazer, o que é engraçado, considerando que é o primeiro e mais fácil dos chefes do original.

E em meio suas jornada, há o Joustus, um joguinho de carta fácil de entender, onde há um tabuleiro com x lugares, geralmente com 3 jóias, essas devem serem capturadas por suas cartas. Então entra as diversas regras e gimmicks de cada personagem, podendo ser algo como destruir uma fileira de cartas e etc. E você também tem seus truques na manga, podendo usar cartas de trapaça, o que facilita bastante quando não há interesse em jogar uma partida de fato.

A narrativa de King of Cards acaba sendo a mais estranha, pois tem um tom humorado devido ao King Knight que tem o rei na barriga e é um tremendo babaca. Apesar disso, com sua determinação e a ajuda de sua mamãe querida e suas deliciosas tortas, o cavaleiro consegue ir desbravando o reino, formando amizades, tendo seu próprio barco voador, cheio de aliados. Já dá pra ter uma ideia do que acontece no final, mesmo assim, ainda é uma história com um final meio bad vibe, vendo toda a jornada do Rei Decadente.

Enfim, é um final triste, mas essa campanha final está longe de ser um encerramento ruim, muito menos para o pacote completo de Shovel Knight. Diria até que fechou com chave de ouro. Apesar de Shovel of Hope não ter sido algo que me maravilhou os olhos, todas as outras campanhas possuem particularidades que criam jogos de plataformas únicos, no que acaba se tornando um dos melhores jogos de plataforma 2D facilmente. 

Shovel Knight: Treasure Trove escavou um pouco de tudo que fez o gênero de plataforma 2D ter sido tão memorável por tantos anos, implementando algumas novidades e qualidades de vida modernas. Não é um jogo difícil, a não ser que você queira se desafiar nele, e possui muito charme por trás de sua história e estética. Acho que o mais importante acaba sendo essa paixão que os desenvolvedores demonstram por tudo o que os inspiraram e não ficar só nisso, há bastante coração em tudo o que é apresentado nesse simpático joguinho.

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