quinta-feira, 23 de março de 2023

Resident Evil 3: Adeus Raccoon City

Terceira parte da retrospectiva de Resident Evil até o 4 (textos de RE1 e RE2), agora abordando o capítulo final da trilogia clássica. O sucesso de RE2 foi a confirmação que a Capcom precisava para continuar alguns projetos e começar novos. Uma sequência direta do 2 estava sendo produzida por Hideki Kamiya para sair no PSX, mas com os envios dos kits de desenvolvimento de PS2, decidiram se dedicar esse projeto ao novo hardware, o que provavelmente virou Devil May Cry.

Enquanto isso, outros projetos como RE0 e Code Veronica já estavam em desenvolvimento, e o Resident Evil 3: Nemesis que conhecemos começou como um spin-off com ideias diferentes dos jogos anteriores, mas devido a demora para o lançamento do novo projeto de Kamiya para 2001, a Sony ia ficar sem um título decente da série no Playstation, o que seria financeiramente ruim para a Capcom, já que RE0 era para ser lançado no Nintendo 64 e Code Veronica no Dreamcast.

O diretor de RE3, Kazuhiro Aoyama, trabalhou nos jogos anteriores, como “Event Director” em RE1 e “System Planner” em RE2, onde ele também dirigiu o modo extra 4th Survivor, que parece ter sido uma inspiração para o conceito do terceiro título. Chamado de Bio Hazard 3: The Last Escape no Japão, felizmente mudaram o subtítulo para Nemesis aqui no ocidente, temos a jornada final de Jill Valentine em Raccoon City, a cidade já estava virando um inferno devido a infecção zumbi e eventualmente seria dizimada pelo governo dos EUA.

O início do jogo já é um bom exemplar de quão intenso ele vai ser, onde Jill é arremessada para fora de um prédio por uma explosão, diversos zumbis começam lhe seguir e cercá-la enquanto ela tenta abrir uma porta desesperadamente. Vagando pelas ruas e entre prédios abandonados, a protagonista tenta achar uma forma de escapar da cidade, mas além dos infectados e demais monstros estarem em seu caminho, ela terá uma ameaça muito maior lhe perseguindo.

O Nemesis é uma arma bio orgânica da Umbrella, similar ao Tyrant, com capacidade de usar armas de fogo e ter um objetivo designado, esse seria eliminar os membros da STARS que ainda estão em Raccoon City. É uma evolução do conceito do Mr. X de RE2, agora sendo mais persistente e ágil. Ele vai azucrinar o jogador por diversos cenários e até passar por portas, felizmente, apenas quando a câmera não estiver fixa nelas.

Curiosamente, foi despachado um um grupo militar, a Umbrella Biohazard Countermeasure Service (UBCS), para lutar contra os infectados e salvar civis. Desse grupo, Jill conhece Carlos Oliveira e Nikolai Zinoviev, entre outros. Carlos acaba virando seu “auxiliar”, sendo até jogável em certos pontos, enquanto Nikolai, que vai se demonstrando suspeito desde seu primeiro encontro, vai lentamente se revelando um traidor. Já é estranho pensar que a Umbrella mandaria um grupo para ajudar na situação, então é óbvio que algo está errado. 

A UBCS é composta por mercenários e ex-prisioneiros, todos os integrantes são usados para testar os experimentos da empresa, enquanto Nikolai monitorava a situação e fazia outras tarefas para Umbrella, também agindo como agente duplo para outra empresa. Acho que Nikolai é uma das partes mais legais do jogo e pouco apreciadas, ainda mais comparando como os outros antagonistas da série são fracos.

Como existem três finais diferentes, um deles onde Nikolai escapa vivo, não se sabia do destino dele posteriormente. Em contraste, seu sidekick é qualquer coisa. Não sou muito fã do Carlos, acho um personagem meio irritante e tem alguns diálogos e performance ruins, tirando a parte dele falar que as mulheres gostam de seu sotaque, que é engraçada.

Noboru Sugimura, de RE2, não participou da criação da história, pois estava ocupado com outros projetos da franquia. Então esse trabalho passou para Yasuhisa Kawamura, um novato que já tinha trabalhado com Dino Crisis. A narrativa em si é legal, o que acho mais ou menos são os diálogos e a dublagem, é uma queda considerável do antecessor, mesmo tendo um elenco americano e de pessoas que já trabalhavam com dublagem, talvez seja um problema da direção de dublagem.

Como RE3 foi lançado um ano depois de RE2, um ano e nove meses, mais especificamente, dá a entender que algumas decisões podem ter sido um tanto bruscas durante o desenvolvimento. Começando pelos já mencionados planos que a Capcom tinha na época. Então, acredito que algumas áreas que o jogo deixe a desejar seja justamente do fato de ter sido um projeto menor que acabou tornando-se um título principal. Mesmo parecendo um tempo curto, vale lembrar que desenvolvedores de jogo trabalhavam muito nessa época.

Porém, não é para levar ele como um projeto menor e inferior aos outros. O fato dele ter começado com ideias diferentes pode ter sido um benefício e o que criou as suas características mais marcantes. Comparando aos anteriores, há apenas uma campanha, sendo a da Jill, com um trecho separado para o Carlos, mas a duração da história é praticamente a mesma dos outros, tendo pouca repetição dos cenários e diferencial das decisões.

Em alguns momentos, o jogador deverá decidir entre duas ações, a primeira ocorre quando o Nemesis surge, você pode escolher em enfrentá-lo ou fugir para dentro da delegacia. Enfrentar o Nemesis permite que você vasculhe o corpo do seu falecido colega, Brad, e consiga um cartão de acesso importante para o progresso, e se derrotar o chefe, o que é bem difícil naquele momento, você ganha peças para aprimorar a pistola. Caso decida fugir, precisará encontrar outro cartão dentro da delegacia.

Sempre existem duas escolhas, todas envolvem encontros com o Nemesis e, geralmente, um resultado é melhor que o outro, mas servem como um incentivo para rejogar. As decisões têm tempo limitado e não fazê-las pode ter uma consequência pior. As escolhas costumam afetar mais a jogabilidade, o que pode te colocar em locais diferentes, dar recursos extras e etc. Algumas delas permitem que você derrote o Nemesis momentaneamente.

Derrotar o Nemesis sempre garante uma recompensa, e elas são dadas em uma ordem específicas, as melhores são peças de upgrade para suas armas, que dão uma utilidade maior para seu arsenal. O maior problema é conseguir fazê-lo, comparado ao que era o primeiro perseguidor, o Mr. X, Nemesis é um inferno. Ele corre, tem ataques fortes e que cobrem uma boa área, te agarrar e jogar no chão, agarrar você deitado, caso não levante a tempo, e também pode aparecer armado com uma bazuca.

A presença dele muda toda a dinâmica do que era o padrão da série até então. Fora esse fator, a campanha de RE3 apresenta bastante zumbis pela cidade, geralmente aparecendo em maior quantidade e mais agressivos. Graças a presença de explosivos e outros elementos pelo cenário, há outras formas de lidar com eles em grande quantidade, tendo até a opção de usar um auto-aim para mirar diretamente no objeto. Obviamente, você pode guardar esses recursos para inimigos mais fortes, também

De novidade, temos o Drain Deimos, similar as Chimeras de RE1, uns seres bizarros com características de insetos, que são ágeis e aparecem em dois, ou mais. Temos a volta dos cachorros (Cerberus) e dos Hunters, só que em duas variações, os Betas, com uma aparência meio “machucada”, e Gammas, que parecem sapos. Apesar dos usos limitados, eles podem ser difíceis e lidar, e a animação do Gamma devorando a Jill é perturbadora.

RE2 tinha dado uma palhinha de como seria Raccoon City e aqui vemos mais da cidade de fato. Visitando diversas locações e andando pelas ruas devastadas com um design não exatamente verossímil com uma cidade americana padrão, a maioria das ruas são pequenas e estreitas e se assemelham mais a locais do Japão. Pode não ser tão fiel a realidade, mas funciona ao criar um ambiente único dentro das limitações do console e que é legal de explorar.

Assim como a mansão e a delegacia, que você revisita neste jogo, Raccoon City tem uma arquitetura estranha e com puzzles sem noção que são ótimos para a ambientação. Indo de um bar, a um restaurante, um posto de gasolina, a estação elétrica, o parque municipal e a torre do relógio, a variedade é legal e os cenários pré renderizados continuam bem feitos. Recomendo, mais uma vez, o projeto Seamless HD Project de RE3, pois acho que os detalhes da cidade são bem caprichados e dá para admirar melhor em alta resolução.

A maioria das locações são um pouco pequenas, até mesmo a famosa “clock tower”, não é um mapa grande, mas você passa um bom tempo nela, durante alguns dos trechos mais importantes. Não acho lá a melhor parte, pois depois tem o parque e a “Dead Factory”, dois locais bem únicos para a série. Raccoon Park é um passagem meio breve, mas com cenários distintos e com bastante inimigos, incluindo os mencionados Hunters, e onde rola a luta contra a minhoca gigante, um monstro que tem aparições pela campanha e finalmente pode ser morto aqui.

A Dead Factory, além de um nome maneiro, que na verdade é uma instalação aparentemente abandonada, servindo de fachada para um centro de descarte biológico. Aqui encontramos algumas pesquisas da Umbrella e como esse local era usado para destruir armas bio orgânicas. Você pode até encontrar pilhas de zumbis e alguns Tyrants pelo cenário. O local segue a tradição do “laboratório final” de RE, só que com um visual industrial enferrujado que é mais interessante.

Existem duas mecânicas adicionais nos controles, uma é a inclusão do quick turn, possibilitando que o boneco gire 180º, o que é bastante útil para deixar a movimentação mais fluida, e a outra é o Emergency Dodge. Você tem que pressionar a mira no tempo certo com o ataque do inimigo, fazendo que Jill desvie e role de ataques, ou até empurre zumbis. Também é possível apertar o botão de interação no tempo certo enquanto mira para desviar, 

Fora isso, incluíram a criação de munição, acrescentando mais um passo no gerenciamento de inventário e uso dos baús, pois você precisa combinar as pólvoras e usar um aparelho para fazer a munição. Pode parecer ser um novo passo desnecessário, não gosto de precisar de um item para criar, mas o fato de haver uma escolha de quais recursos você quer recompensa o jogador por saber gerenciar seu inventário e jogar bem.

Como o Nemesis é o vilão destaque de RE3, ele acaba sendo o único chefe, fora a minhoca no parque. Em tese, você só tem que enfrentar ele duas vezes obrigatoriamente, as outras lutas são opcionais. Comparando aos outros jogos, é um salto de dificuldade enorme, é um chefe agressivo e requer bastante munição para derrubá-lo, ou uso de armas e munições mais potentes. A mecânica do dodge ajuda muito nos confrontos, só é difícil de acertar a esquiva com consistência.

Ao terminar a campanha, o jogador libera o modo The Mercenaries: Operation Mad Jackal, onde você pode jogar com alguns dos mercenários da UBCS com o objetivo de chegar num lugar em tempo limitado. Matar os inimigos e resgatar alguns personagens no seu caminho aumenta o timer. É uma mistura do 4th Survivor e o Extreme Battle de RE2, e uma boa adição em geral para quem quer um tempo a mais com o jogo. Outros conteúdos desbloqueáveis são armas, roupas e os epílogos dos personagens importantes da trilogia.

Resident Evil 3 costumava ser o título que eu menos gostava dos três clássicos, porém, essa segunda jogada me deu uma nova perspectiva, especialmente pela ambientação de Raccoon City e ser a primeira vez que começaram a implementar mais mecânicas de ação junto do survival horror . Acho que boa parte do problema dos jogos posteriores, até chegar no remake do 1 e em RE4, foi se prender demais à algumas fórmulas antigas, ou se arriscar pouco, ou mudar coisas sem necessidade alguma.

A ideia de ter um cenário maior com a cidade e locais menores que você vai explorando aqui e ali é bem bacana e os mapas são variados. Acredito que a dificuldade seja um ponto que pode afastar as pessoas, tanto que você pode escolher entre Fácil e Difícil, onde a fácil te entrega uma metralhadora, saves infinitos, o dobro de munição pela campanha, dodge automático e inimigos mais fracos. Obviamente, o Hard é a dificuldade ideal para a experiência de Resident Evil.

O ponto mais complicado é o Nemesis, ele é um nível acima de tudo o que já foi apresentado na trilogia, e até na franquia toda, imagino que alguns jogadores novatos podem ter feito um "softlock" ao tentar enfrentá-lo na luta na torre do relógio sem recursos. Os outros perseguidores da série não são tão insistentes e fortes quanto ele e muito menos tão intimidadores. A presença dele é icônica e continua sendo única depois de 20 anos.

Resident Evil 3 é o final da franquia na quinta geração de consoles, pois Gun Survivor não vale, junto disso, decidiram acabar com Raccoon City, uma marca do fim dessa era. Por mais que tenhamos os remakes e spin-offs, o destino da cidade já foi selado de forma gloriosa e explosiva. Nascido de um projeto "indie" e se tornando um título significativo da série, o último jogo da trilogia é um tanto inesperado com suas características distintas, tornando-se mais um clássico e encerrando a trilogia do PS1 com chave de ouro.

Entrevista com o diretor Kazuhiro Aoyama:
https://www.residentevildatabase.com/entrevista-especial-20-anos-de-resident-evil-3-com-kazuhiro-aoyama

Outra entrevista com Aoyama:
https://www.crimson-head.com/interviews/kazuhiro-aoyama

Director's Hazard, bate papo entre diretores:
https://www.youtube.com/watch?v=ID3tBEDfeeo

O desenvolvimento de RE3:
https://residentevil.fandom.com/wiki/Resident_Evil_3:_Nemesis/development

Seamless HD Project para RE3:
https://www.reshdp.com/re3/

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