terça-feira, 21 de março de 2023

Resident Evil 2: Consolidando Biohazard

Dando continuidade na minha retrospectiva de Resident Evil, agora irei falar da sequência, onde algumas mudanças um pouco inesperadas foram feitas na produção, mas se provaram corretas com o lançamento muito bem sucedido e que concretizou a franquia Resident Evil. Shinji Mikami se tornou produtor e passou a direção para Hideki Kamiya, que foi creditado como “System Planner” em RE1. Como esses papéis são um tanto incertos, principalmente antigamente, consta que o projeto teve diversos “Planners” e que Kamiya entrou no meio do desenvolvimento.

Hideki menciona ter trabalhado com storyboards das cenas e com os cortes dos cenários e ângulos de câmera, também contribuindo na criação dos personagens. Hoje em dia, além de ser conhecido por bloquear e xingar pessoas no Twitter, Kamiya é mestre na criação de jogos de ação criativos, responsável por Bayonetta, Wonderful 101, Viewtiful Joe e o primeiro Devil May Cry. Seguindo os passos de Mikami, ele também preferiu deixar outras pessoas dirigirem as sequências de Bayonetta enquanto agia como produtor.

Parece que todos Resident Evil têm alguma história interessante de desenvolvimento e o 2 já é conhecido pelo seu protótipo, chamado de Resident Evil 1.5, onde temos Elza Walker no lugar de Claire, uma delegacia moderna e outras ideias descartadas. Com a entrada do roteirista televisivo Noboru Sugimura para o time, que era fã do RE original, houve uma grande mudança, já que o escritor não gostou como a ambientação se distanciava do jogo anterior por ser realista demais.

Vendo sua carreira, Kamiya gosta de se envolver na criação da história e personagens dos jogos que dirige e produz, e Sugimura foi uma grande influência para o game designer novato na época. A delegacia foi transformada em algo mais nos moldes da mansão, remetendo ao mistério de explorar um local misterioso. Conforme você investiga, vai descobrindo que o prédio era um museu abandonado e a conexão entre o delegado e outras autoridades da cidade com a Umbrella.

A premissa escala com os eventos da Mansão Spencer, onde o vírus começou a infectar a população de Raccoon City. Sem saber dos eventos catastróficos, Leon S. Kennedy, um policial em seu primeiro dia de trabalho, e Claire Redfield, irmã de Chris Redfield, se encontram à caminho da cidade e já dão de cara com zumbis. Ao chegar em Raccoon, se deparam com um cenário caótico e perturbador.

Os dois são separados no meio das ruas e conseguem entrar na delegacia de Raccoon City por caminhos diferentes. Enquanto Claire busca informações sobre seu irmão, Leon procura ajudar os sobreviventes. Cada um dos protagonistas tem uma história única e encontram personagens que complementam a narrativa. O maior destaque de RE2 vem de seus dois CDs, onde o jogador pode decidir escolher com quem vai jogar, terminando essa campanha, habilita uma nova aventura com o outro protagonista.

As campanhas são denominadas pelo nome do personagem e cenário, ou seja, escolha a Claire e jogue o “Claire A”, após terminá-lo, continue o save para jogar o “Leon B” e vice-versa. Enquanto as escolhas narrativas do primeiro jogo foram abandonadas, dão esse incentivo para o jogador jogar quatro campanhas “únicas”. A maior diferença entre as campanhas fica entre os personagens ao invés do cenários, visto que cada protagonista tem seu plot com personagens certos, enquanto a ordem de jogo afeta mais a gameplay, onde o cenário B é o mais difícil.

Outra parte interessante dos dois cenários serem interligados e acontecerem simultaneamente é que em alguns momentos do lado A, você pode fazer algo, ou deixar de fazer, e haverá consequências no lado B. Isso vai desde matar certos inimigos à pegar um item especial, nesse caso, o seu personagem pode pegar um item e vai mencionar que pode deixar o outro item para o outro protagonista. Esse sistema é chamado de Zapping.

Apesar das histórias de cada personagem ocorrerem simultaneamente e eles se esbarrarem de vez em quando, não é como se você estivesse jogando uma campanha inteiramente nova. Os eventos simultâneos fazem mais diferença na narrativa, a gameplay não muda muito, tirando o Zapping System e o local que você começa a campanha. Existem algumas salas únicas dependendo da campanha e dependendo do personagem, então é interessante ver como é feito cada “mistura”. Essa ideia foi ousada e provou ser um dos diferenciais de RE2. 

O aspecto mais amado é a história e seus personagens. Leon é um típico escoteiro bom moço, chegando na cidade já vestido de policial e tentando exercer seu papel mesmo no meio do fim do mundo, o que leva a encontrar Ada Wong, uma mulher procurando por um jornalista preso na cadeia. Já Claire é uma garota mais “descolada” que anda de moto e foi treinada em combate por seu irmão, e mesmo não encontrando ele na cidade, ao esbarrar com Sherry Birkin, Claire resolve cuidar da criança e agir como uma irmã mais velha.

Sherry procura por seus pais, Annete e William Birkin, um casal de cientistas que traíram a Umbrella e levariam uma amostra de um novo vírus para um concorrente. William é morto por um esquadrão da empresa, mas revive como um monstro devido ao G-Virus. Quanto a Ada, jogadores do RE anterior vão lembrar desse nome devido a senha de um dos computadores ser a o nome da namorada do cientista John Clemens. Ela clama estar procurando por John, mas eventualmente você descobre o papel de espiã em busca da amostra do G-Virus.

Outra figura importante da trama é o Brian Irons, o chefe de polícia e cosplay de Mike Haggar, envolvido no sistema conspiratório da Umbrella, tanto que os eventos da Mansão Spencer não são divulgados pela cidade por sua causa. Você vai descobrindo as ações corruptas de Irons e até sua natureza sádica, com direito a um elevador que leva para um calabouço particular. Não há um vilão principal tradicional em RE2, um antagonista maléfico, o delegado é o mais próximo disso devido seus atos diabólicos.

A culpa da situação da cidade é da Umbrella, por mais que o envolvimento de Birkin no descobrimento do vírus foi vital, ele é só um peça em todo o esquema, assim como Irons. A história tem um viés mais puxado para sobrevivência de pessoas comuns, um pouco desse drama da família Birkin e no fundo temos uma briga entre empresas envolvidas com criação de armas biológicas. A narrativa tem suas camadas e a forma que é contada através de duas perspectivas, além da possibilidade de mudar a ordem cronológica, são fatores que dão um diferencial para a trama.

O investimento nisso é claro, já que contrataram um escritor externo e a dublagem foi realizada nos Estados Unidos. Ao contrário do antecessor, onde a dublagem foi feita no Japão com atores ocidentais, numa época onde as pessoas eram creditadas apenas pelo primeiro nome, que podia nem ser o verdadeiro. Paul Haddad e Alyson Court, Leon e Claire, já tinham trabalhado com televisão e dublagem de desenhos, ambos participando do desenho dos X-Men dos anos 90. Pode não ser o currículo mais invejável, mas são atores profissionais, ao menos.

As cenas em live-action foram abandonadas e investiram mais nas CGs, que para algo lançado em 1998, são de uma qualidade aceitável até hoje. Os cenários continuam pré renderizados e comprimidos para caber num PSX, o que fica feinho nas tvs modernas e nem emuladores podem salvar, apesar de haver uma versão de fã chamada "Seamless HD Project" onde fazem upscaling nos cenários e está disponível para PC e para o port de Gamecube. Por mais pixelado que seja, não vejo muito problema em jogá-lo assim, mas o mod é uma opção interessante e rendem algumas imagens mais agradáveis ilustrar o texto.

Até mesmo nos modelos velhos de PSX, os monstros são muito bons. Os zumbis civis e policiais ainda são bem feitinhos, só que o destaque fica com as criaturas únicas. O Licker é praticamente sinônimo com RE devido sua distinta aparência grotesca, parecendo não ter pele, cérebro exposto, andando de quatro de uma forma rasteira. O Tyrant, apelidado de Mr. X em alguns materiais oficiais, é uma nova versão do chefe final de RE1, agora tendo dever de conseguir a amostra do G-Virus e matar qualquer sobrevivente. Ele está disfarçado, parecendo uma pessoa gigante com sobretudo, é intimidador e um pouco ridículo. 

Por último, temos William Birkin, denominado o "G-Birkin", um ser humano deformado com um braço enorme, eventualmente criando um olho gigante, depois uma cabeça nova, lentamente perdendo qualquer resquício de humanidade. A criação desses monstros é atribuída a Ryoji Shimogama, enquanto o design de personagens é de Isao Oishi. Ambos também trabalharam no primeiro jogo e já estavam em RE2 desde o protótipo, uma pena que não continuaram na série. Ao menos, é possível ver as artes de Oishi para RE 1.5. em artbooks publicados posteriormente pela Capcom.

Já mencionei o fato de Kamiya se tornar um diretor de jogos de ação, apesar de Resident Evil 2 não ser um, há uma diferença perceptível de design do entre ele e o antecessor. Você começa todas campanhas em meio de uma Raccoon City no caos, seu personagem só tem uma pistola, algumas balas e diversos zumbis ao seu redor. Depois que você consegue a escopeta com Leon, ou o lança granada com a Claire, explorar a delegacia se torna mais tranquilo. 

Sem abandonar as mecânicas padrões, como o gerenciamento de inventário, saves limitados e exploração, a jogabilidade é praticamente a mesma do anterior com seus controles de tanque, diria que é um pouco melhor de manusear o personagem. O combate continua "metódico", onde é mais importante se posicionar em uma distância segura e parar para atirar. A quantidade maior de inimigos por tela e o arsenal mais forte dá um caráter mais “ação” ao jogo, e é especialmente satisfatório limpar salas de zumbis com um tiro, somado às melhorias gráficas e de animações. 

Os zumbis podem ser "despedaçados", perdendo pernas e braços, também possuem movimentação mais realista e modelos variados, já que a maioria são civis e policiais, em sua maioria. Os lickers são inimigos com algumas facilidades de lidar, visto que não são alertados até você correr, atirar, ou passar muito perto, e podem ser mortos com dois tiros de uma arma potente. A presença de dois ou mais é preocupante, principalmente no trecho final, onde eles aparecem numa versão mais forte.

RE antigo geralmente resolve o problema de ser encurralado ao poder empurrar o inimigo após ser agarrado, isso no ataque das mordidas dos zumbis, mas os ataques rasteiros de dois lickers podem gerar um game over fácil. Mais para frente, há outros inimigos reusados como cachorros e as aranhas no esgoto, essas são fáceis de lidar, mas ainda podem te envenenar, assim como os monstros planta na área final, chamados de Plantas 43. 

O que é estranho da sequência é a baixa presença de chefes. Basicamente, os únicos chefes são o Mr. X e William Birkin. Birkin tem quatro lutas mais tradicionais de chefe, enquanto Mr. X é um protótipo de Nemesis, ou um tipo de inimigo que chamam de “pursuer”, aparecendo em certos trechos e tendo uma luta lá para o final da campanha B. Você também encontra alguns experimentos únicos como o crocodilo gigante e a mariposa, mas eles nem podem ser considerados chefes.

Tirando a luta contra o Mr. X, os confrontos acabam sendo um pouco fáceis, pois os cenários são abertos demais, então você pode simplesmente se afastar e ficar atirando sem a câmera nem estar focada no chefe. Mr. X possui o golpe com a garra, similar ao Tyrant em RE1, e consegue te alcançar num ambiente aberto, fora que a batalha ocorre enquanto um countdown está rolando. Mesmo com múltiplas formas, Birkin geralmente é lento e você tem que vacilar muito para deixar ele se aproximar.

Por fim, o aspecto que mais gosto do combate de RE2 são as armas. Com um arsenal único para cada personagem, um ponto de discussão é quem tem o melhor arsenal, acredito que Claire começa bem forte devido ao lança granada e o extra de ter a besta, que não é lá uma arma tão útil, mas serve para matar zumbis básicos com tiros múltiplos para os lados. 

Leon consegue uma escopeta padrão que pode ser melhorada com peças novas e tornar-se uma arma bem forte. Ele também consegue uma magnum e um lança chamas, enquanto Claire tem o Spark Shot na área final, que é meio inútil. O único item que pode ser usado pelos dois é a submetralhadora, porém ela tem uso limitado para apenas um dos protagonista, visto que a Claire tem armas a menos, geralmente deixo com ela. Independente de qual personagem, a dificuldade não muda tanto, só é importante lembrar que o cenário B vai ser mais difícil devido a presença do Mr. X e outras mudanças.

Da trilogia original, devo dizer que Resident Evil 2 é meu menos favorito. Enquanto a história é mais significante e os personagens são icônicos, vejo que faltou arriscar mais na jogabilidade e design de mapa. Ele fica sendo um meio termo entre o terror e suspense de RE1 e a ação caótica de RE3. Comparando ao antecessor, não há uma área tão ruim quanto a caverna, mas a delegacia não tem puzzles significativos e os itens chaves são espalhados de forma que explorar requer que você passe pelos mesmos ambientes muitas vezes.

A área do esgoto é bem linear, focando mais em desenvolver a história, só é minimamente memorável pela presença das aranhas, mais pela estranheza delas estarem apenas nessa parte, e pelo crocodilo gigante. E a área final, o laboratório, é ok, também é linear e as salas principais são um pouco distantes entre si. O level design é o aspecto que deixa um pouco a desejar, ainda mais considerando que você vai explorar a maioria dos mesmos lugares entre os protagonistas. Não digo que os defeitos de RE2 sejam tão grandes e notáveis, ainda mais comparando com suas qualidades.

Vale ressaltar a presença de modos extras em algumas versões do jogo, indo de rearranjar a campanha, o Battle EX e o modo 4th Survivor, contando a história de HUNK, um mercenário da Umbrella que sobreviveu aos eventos do jogo na surdina, fora o modo Tofu, que é um pouco de comédia non-sense. Fora o esses conteúdos bônus das edições pós Dualshock Ver., ele incentiva o jogador através dos ranqueamentos no final das campanhas, avaliando seu tempo de jogo, curas e saves usados, o que garante uma nota e até itens desbloqueáveis. Essa avaliação virou tradição na série e existe, possivelmente, devido ao amor que Hideki Kamiya tem por jogos de arcade e sistemas de pontuação.

Resident Evil 2 foi um marco na franquia e mais um destaque de 1998, um ano importantíssimo na indústria de games. Ele foi o título mais vendido da franquia até RE4, e não foi à toa. A dedicação a história e seus personagens foi o que fez dele tão memorável e querido para diversos jogadores. Enquanto o primeiro RE chegou e estabeleceu muitos elementos do que seria Survival Horror, RE2 expandiu muitos aspectos e consolidou a franquia.

Primeira parte de uma série de entrevistas com Hideki Kamiya:
https://www.youtube.com/watch?v=2fHJTg0Xjvw

Entrevista com Kamiya, Mikami e Sugimura após o lançamento de RE2:
https://shmuplations.com/residentevil2/

Entrevista com Ryoji Shimogama (designer de monstros):
https://www.crimson-head.com/interviews/ryoji-shimogama

Artes conceituais e renders de RE2:
https://www.creativeuncut.com/art_resident-evil-2_a.html

Seamless HD Project:
https://www.reshdp.com/re2/

As diferentes versões de RE2
https://residentevil.com.br/resident-evil-2/versoes-diferentes/

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