terça-feira, 29 de agosto de 2023

Street Fighter 6 - Lutando pelo Futuro

Após dois lançamentos fracos com Street Fighter V e Marvel vs. Capcom: Infinite, a Capcom estava em águas frias no território de jogos de luta. Enquanto o último MvC morreu sem ter uma segunda chance, SFV foi lentamente se recuperando com conteúdo mais robusto no single player e o suporte básico de temporadas. Além de providenciar novos personagens, cenários e mecânicas, especialmente com a Champion Edition e a quinta temporada, essa onde tivemos apresentações bem feitas e mostrando a equipe de desenvolvimento sendo bem clara e direta com a direção do jogo.

Eventualmente, esse time mostrou Street Fighter 6, que pareceu um grande passo para franquia após tempos. SF6 é dividido em três modos: World Tour, Battle Hub e Fighting Ground. World Tour é o modo single player onde você cria um personagem e tem uma campanha única. Battle Hub é uma central onde jogadores colocam seus avatares para batalhar, assistir lutas e fazer outras atividas. E, por fim, o Fighting Ground, onde existem todos recursos padrões de jogos de luta, como arcade mode, treinamento e lutas online.

Visto que existem essas três divisões, acho que vale a pena abordá-las nessa ordem. Primeiro: World Tour. Criando seu próprio lutador de rua que começa aprendendo os básicos com Luke, o “nem tão novo” estreante e o rostinho da capa do jogo. Você é colocado em Metro City, locação do clássico Final Fight, podendo explorar a cidade e interagir com as diversas figuras locais, eventualmente saindo para outros lugares no mundo em busca de ser o mais forte.

Para se tornar um lutador melhor, nada melhor do que fazer isso num local onde você pode lutar com praticamente todo mundo. A maioria dos NPCs são lutadores, você pode chegar no vendedor de cachorro quente e desafiá-lo para uma batalha, ou já chegar mandando um golpe especial e começar a luta na vantagem. Esse aspecto é um tanto engraçado, mas gosto de ver como desenvolveram esse lado de como as lutas da série são encaradas no mundo.

Street Fighter sempre foi uma série que funcionava no limiar do ridículo quanto a sua história e universo, e SF6 se dá o direito de se divertir com isso. Metro City é uma cidade violenta, onde até mesmo o lendário ex-prefeito, Mike Haggar, resolveu o problema da criminalidade nos anos 90 na porrada, então seus cidadãos parecem ter aprendido com isso. E a ideia de ser um lutador também é levada mais a sério, o que leva aos personagens principais.

Ryu, Ken, Chun-li e etc. são considerados mestres, lutadores de alto nível que você eventualmente encontra e pode pedir para ensinarem suas técnicas, podendo assim criar seu próprio lutador único, este tendo o estilo de luta do personagem, basicamente os mesmos golpes padrões, e depois misturar com os especiais de outros. Ou seja, seu personagem pode lutar como o Guile, tendo até aquele chute forte de cabeça para baixo, mas soltar pilões, Spirral Arrows e mandar um Shinku Shoryuken de 3 barras.

E não é só isso, além de aprender essas técnicas, você pode tirar um papo legal com os 18 lutadores de rua, ou 22, se contar as DLCs. Eles possuem duas barras, uma medindo seu grau de amizade e outra medindo o quanto você está masterizando o estilo de luta do seu mestre. Enquanto a última vai liberando os golpes especiais, a outra vai liberando diálogos e até artes novas com o personagem
contando alguma história de sua trajetória de lutador.

Os jogos de luta são conhecidos por seus diversos personagens únicos e marcantes, então é excelente termos a oportunidade de saber mais sobre eles. Mesmo que sejam histórias e personalidades simples, é legal ter interações como o Ryu arrumando um celular e tirando dúvidas sobre internet contigo. E conhecer cada um dos mestres tem uma animação única, que vai desde você sair dançando com Dee Jay, até cair ao praticar golpes de kung fu flexíveis com a Chun-li.

O maior mérito do World Tour vêm desses elementos de te colocar nesse mundo e conhecer essa gama gigante de personagens. Acho que o aspecto da jogabilidade poderia ter sido um pouco melhor, pois você é colocado na tela de luta padrão, enfrentando um ou mais personagens, e acaba se tornando ordinário com o tempo. Alguns inimigos aparecem com muita vida e dano absurdo, o que pode ser um desafio legal, ou bem entediante.

Considerando que há um modo de luta chamado Extreme Battle onde variáveis são colocadas na luta, o que vai de bois atravessando o estágio e derrubando os lutadores, e a condição de vitória pode ser derrubar o oponente ‘x’ vezes, poderia haver mais dessa variedade. Há certos fatores que fazem alguns inimigos mais interessantes, tipo bloquearem bastante, o que te obriga a usar os agarrões, mas essas coisas são exceções.

Eu não cheguei a terminar o World Tour até agora, e tenho cerca de 20 horas nele, onde procurei fazer sidequests e outras coisas, então não foquei 100% na quest principal, pois é justamente onde é mais chato. Muitas missões se resumem em ir lá, depois ir pra cá e depois pra lá de novo, é uma encheção de linguiça desnecessária e distâncias grandes a se percorrer. E não se limita a Metro City, às vezes você tem que viajar para outros países e ir num pequeno cenário, ou para o outro mapa principal, Nayshall.

Nayshall é similar a Índia, um lugar bem pobre com alta densidade de pessoas com casas precárias e alguns templos espalhados no cenário. Comparado a pseudo Nova Iorque que é Metro City, foi uma boa escolha em implementar um lugar tão diferente. Os outros cenários são basicamente as arenas dos modos de luta tradicionais, onde você tem até um ângulo fixo de câmera para não ver muita coisa.

O país de Nayshall tem uma significância narrativa maior para o arco principal do modo história, esse envolvendo um personagem chamado Bosch. Não entrando em detalhes maiores, mas é uma história que “tanto faz”, até onde fui. Seu avatar e o Bosch começam treinando sobre a tutoria do Luke, mas o rapaz se revolta e vai em busca de outros métodos para ficar mais forte. Você vai esbarrando com Bosch e, supostamente, tem que se importar com a história desse sujeito.

Com um elenco tão forte, especialmente a inclusão de JP, o melhor vilão original desde  Bison, acredito que era a hora de não só ter um modo história legal, mas também uma boa história que integrasse melhor esses personagens. No fim das contas, é mais legal pelo universo e interações com essas figuras clássicas e os novatos, além de ter alguns elementos gerais que auxiliam a aprender os sistemas.

A customização também é um ponto forte. Escolhendo as diversas roupas e apetrechos que você encontra pelo World Tour, e os golpes são ensinados pelo elenco de lutadores clássicos e os estreantes. Infelizmente, as roupinhas são limitadas aos avatares, pois seria ótimo poder mudar as roupas do elenco principal, algo que rola em Tekken desde Tekken 5, e daria um valor a mais no conteúdo desbloqueável e pago.

No Battle Hub, os avatares podem brigar entre si, o que mostra a disparidade entre os níveis mais altos e as misturas doidas que dá para fazer com golpes especiais diferentes, além das customizações bizarras que podem obstruir sua visão. Há máquinas de arcade para tirar 1v1 com os personagens principais, também há máquinas de jogos clássicos da Capcom, como Final Fight, e você pode jogar online.

O Hub é uma versão evoluída dos lobbies comuns em jogos da Arc System. Dá pra se divertir com as coisas ali, mas eu prefiro simplesmente colocar as partidas para buscar no menu principal e achar as lutas. Ao menos nisso, pouco se pode reclamar, há diversas formas de interagir no social do jogo, o que o torna mais atraente, fora que a conexão é a melhor experiência que tive em um jogo de luta. Acho partidas rápidas, isso nas ranqueadas, e sempre com pessoas num nível similar.

O último modo, Fighting Ground, como já mencionado, apresenta o básico de jogos de luta, com o online, tutorial, treinamento, o já mencionado Extreme Battle e o arcade mode, onde dá para liberar artes para a galeria. Em termos de tutorial e treinamento, há explicações para o sistema de combate, particularidades de cada personagem e um modo combo bem útil. As opções de treinamento também são exacerbadas, podendo dar “save” para poder treinar combos, ou até situações no geral, sem precisar ficar repetindo tudo desde o início.

Entre o World Tour e sua onda amigável e a lenta explicação de tudo, junto de todos outros recursos, Street Fighter 6 procura ser um jogo de luta que é não apenas divertido e fácil de jogar, mas dá bastante ferramentas para aprender e melhorar. Faz alguns anos que jogos de luta procuram facilitar cada vez mais a porta de entrada, fazendo melhorias de tornar a execução mais fácil, mas acabam falhando em te ensinar a parte mais complicada.

O novo sistema de luta é provavelmente o mais complexo de Street Fighter. A barra de especial e o medidor de defesa são misturados para criar a barra de Drive, essa mecânica que dá acesso a golpes “EX”, chamados de golpes Overdrive agora, e outras funções como o Drive Parry, Drive Rush, Drive Impact e Drive Reversal. A barra é separada em 6 porções, cada função usa um pouco, e quando a barra esvazia, o personagem entra em estado de "burnout", ou exaustão, podendo tomar chip damage e outras desvantagens.

O drive vai regenerando com o tempo, mas a regeneração demora bastante quando você está exausto. Não é uma situação que se torna impossível de se recuperar, mas as desvantagens podem criar uma condição difícil de escapar. Como tomar um Drive Impact no canto quando se está exausto, faz o boneco ficar atordoado, permitindo que o adversário faça aquele combo mais escabroso possível.

Você ainda tem a velha barra para os supers, o que me deixa contente, pois é possível fazer combos com golpes EX e ainda ter o recurso do super, fora que dá para usar algumas de suas vantagens, como invulnerabilidade, para escapar, o que pode ser essencial durante o burnout. Acho o Drive uma adição válida, ainda é um jogo de luta nos moldes tradicionais 2D, mas com uma nova camada estratégica e de fácil entendimento até para casuais.

Falando em casuais, uma nova opção para jogadores novos é o esquema de controle “Modern”, já que você pode escolher entre os inputs clássicos ou essa versão modernizada. Você tem 4 botões, ao invés de 6, com golpe fraco, médio e forte, e o assist para mandar os golpes especiais. Então há coisas fáceis como shoryukens, flash kicks e super de 3 barras com um botão, esses que dão menos dano que executar com comandos clássicos.

Como já jogo há anos no esquema clássico, acho o Modern muito estranho, fora que sacrifica alguns ataques dos personagens pelas limitações de botões. Não vejo problema com a implementação de um modo mais fácil de jogar, mas gostaria que a Capcom se comprometesse a fazer essa mudança no geral. Segundo entrevistas, o esquema moderno ia ser a única forma de jogar, porém decidiram colocar o clássico pois é o que o pessoal já está acostumado.

Eu preferia que houvesse um meio termo entre os dois e fosse o único modelo de controle. Há anos, muitos jogos de luta surgem e renascem, e só SF se mantém no padrão de 6 botões, acho que já poderia usar apenas 4, só tendo golpes fracos e fortes. Seria um jeito de ainda ter o básico e liberar mais espaço para um botão pra quem joga em pad. E imagino que haver os dois esquemas de controle crie mais problemas na hora de balancear e criar novos personagens, mas isso é mais conjectura de minha parte.

Se você conhece Street Fighter, pode perceber que o SF6 tem praticamente um pedaço de cada jogo anterior. Tem especial, tem parry, tem focus attack, tem alpha counter e alguns installs estilo V-Trigger. Só faltou algo equivalente ao custom combo, mas acho que esse é um vespeiro que os desenvolvedores não querem balancear. O kit da maioria do roster é completinho, onde até personagens simples possuem algumas mecânicas que valem ser exploradas. 

Claro que digo tudo isso, mas sou mais um curioso com opiniões do que um jogador de alto nível. Ao menos, sinto que o jogo cobre todo o tipo de jogador, indo de quem quer só esmagar uns botões, até quem quer entender melhor quais botões esmagar, ou a pessoa que é fã do universo e personagens de SF, ou quem pouco se importa com historinha e só quer ir online para descer a porrada. Em todo canto de SF6, há uma forma de se divertir.

Enquanto pouco tenho a reclamar do Fighting Ground, e o Battle Hub não é lá de meu interesse, o World Tour poderia ser mais enxuto, pois tem cara que poderiam ter feito uma campanha mais concisa, o que imagino que deva ser sinal que possam investir em mais conteúdo nele no futuro. Mesmo sendo falho, acho que é uma das experiências mais únicas que um jogo de luta ofereceu.

Mas faz anos e anos que os fãs esperam para ter uma oportunidade de conhecer melhor os personagens e o mundo da franquia, e imagino que muitas pessoas de fora fiquem mais interessadas em algo como o World Tour. Acho que lidaram muito bem com essa noção que as lutas são parte do dia a dia e abraçaram a tosqueira de forma genuína. Isso não vai somente das interações, como na parte visual, onde você pode criar monstruosidades que interagem com tudo.

E olha que Street Fighter 6 não é feio, não. A mistura entre o cartunesco e realista traz excelentes resultados, como Zangief em sua pose de vitória, além dos efeitos dos supers e ataques como Drive Impact também são belíssimos. RE Engine mais uma vez fazendo milagre e não sacrifica a performance, apesar de alguns problemas no World Tour, as lutas no Fighting Ground rodam lisinhas, os rematches são praticamente instantâneos e nem é preciso esperar muito pro loading.

Street Fighter 6 segue o legado de muitas coisas boas da série, mas não é só um simples arremedo de tudo que foi bom, como criar um estilo único e moderno, focando em revitalizar e modernizar a série. Depois de Street Fighter V ser um lançamento bem xoxo e com uma jogabilidade meio restrita, é bom ver os desenvolvedores criarem um pacote bem recheado e arriscarem ao usarem a mecânica de Drive para mexer na fórmula básica de jogos de luta. 

Hoje em dia, todo jogo de luta sai de forma que aos anos ele vai ficando cada vez melhor, seja com a adição de conteúdo básico, como a evolução do meta e mudanças no sistema, e Street Fighter 6 já começou de forma excelente, quem dirá como vão ser os próximos anos, só espero que o jogo seja a base que inspire o gênero todo em como chamar atenção e trazer novidades sem perder a essência.

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