sexta-feira, 18 de agosto de 2023

Review - Master Detectives Archives: RAIN CODE

À primeira vista, Rain Code parece familiar. Os personagens cabeçudos e coloridos dentro de uma trama de mistério e suspense, envolvendo assassinatos e um humor mórbido. É a volta do trio de Danganronpa, com a arte de Rui Komatsuzaki, a música de Masafumi Takada e história por Kazutaka Kodaka. Master Detective Archives: RAIN CODE é o enorme nome que dá título a essa nova obra da equipe.

O estilo de Kodaka permanece não só na narrativa, como nas mecânicas, visto que em meio a sua busca investigação, é preciso engajar em minigames e outras coisas atípicas para um jogo desse estilo. Partindo de Danganronpa, ao menos já mais legal você sair do estilo 2D e visual novel para um ambiente 3D explorável, contando até com sidequests e itens escondidos no cenário. 

Por mais que Danganronpa tinha seus truques visuais que deixavam bem mais interessante que a maioria dos estáticos jogos do gênero, é uma notável evolução do que eram adventures investigativos. Não é exatamente um primor gráfico, especialmente devido ao serrilhamento, texturas e outros problemas do Switch. Ele tem uma carinha meio PS Vita, não de forma derrogatória, por lembrar aqueles jogos japoneses distintos que surgiam pro console e, apesar de não serem os mais avançados, tinham estética e estilo únicos.

O mundo de Rain Code já começa com uma premissa estranha onde o protagonista, Yuma Kokohead, acorda atrasado para entrar em um trem em destino a Kanai Ward, uma cidade isolada do resto do mundo. O garoto amnésico vai descobrir que faz parte da “World Detective Organization”, aparentemente, sendo um detetive novato. Essa organização tem objetivo de resolver todos mistérios do mundo, contando com os “Master Detectives” que dão título ao jogo, esses detetives mestres para desvendar esses diversos segredos.

Kanai Ward é dominada pela corporação Amaterasu, uma empresa gigante de tecnologia, e esse isolamento do resto do mundo trás diversos mistérios sobre o local. Fora o isolamento, Kanai tem a peculiaridade de ser uma cidade que sempre chove, e os cidadãos não sabem o porquê, o que faz todo mundo usar apetrechos e vestimentas contra chuva. Independente do motivo lógico, esteticamente cria a atmosfera cyberpunk do lugar, junto de parecer que está sempre de noite e a cidade é iluminada por luzes e neon por todo canto. 

A influência do gênero é bem clara, ainda mais com a presença de uma força policial chamada de Peacekeepers, que mantém a paz da cidade do próprio jeito, parecendo ser até a autoridade máxima do local. Você se depara com casos mal resolvidos, cidadãos oprimidos, gente morando nos esgotos e diversas outras características distópicas. Yuma conhece o contato da WDO, Yakou Furio, um detetive solitário da única agência da cidade. Visto como é a situação da polícia local, é imaginável o motivo. Agora, com esses detetives especiais, será possível desvendar os milhares de segredos de Kanai.

Apesar do título de Master Detective, eles são um tanto desleixados, o que os torna especiais são seus poderes, chamados de “Forte”, esses que possibilitam a fazer investigações de uma forma diferente. Yuma, aparentemente, não possui uma habilidade, mas em compensação, está acompanhado pela Deusa da Morte, Shinigami, que é o motivo de sua amnésia, já que, segundo ela, o protagonista fez um pacto com a deusa em troca de suas memórias. Dá para assumir que um detetive sem poderes realizou o pacto para ter alguma habilidade, mas o buraco é mais embaixo.

A Shinigami aparece como um fantasminha ao seu lado e pode te auxiliar no mundo real, só que seu verdadeiro potencial se manifesta ao entrar em uma situação desesperadora, a Ceifadora te leva para o Mystery Labyrinth, onde ela revela sua verdadeira forma e lhe auxilia a explorar uma “dungeon” abstrata que manifesta os mistérios e empecilhos da investigação em forma de armadilhas e monstros. Seria algo similar a um JRPG, tendo até menções a Dragon Quest, só que a jogabilidade é um tanto linear.

Basicamente, você anda para frente e vê os personagens discutirem sobre o caso enquanto o labirinto vai se moldando e jogando desafios e questionamentos. O jogador deve responder corretamente para poder avançar, ou até responder errado pode ser o caminho certo para chegar na verdade. Apesar das interpretações subjetivas, o labirinto trabalha apenas com a verdade, caso você não traga a resolução, irá ficar preso lá para sempre.

Toda essa folia do Mystery Labyrinth ocorre enquanto o mundo real está "pausado" e solucionar o labirinto faz com que a Shinigami ceife a alma do culpado, o que faz essa pessoa simplesmente morrer do nada. É  uma forma não convencional de resolver esses assassinatos, ao menos, comparando com outras ficções do gênero. 

Então o culpado nem vai saber que foi descoberto, e apenas ir de base do nada, gerando algumas situações particulares durante as cenas. Yuma também fica receoso de usar suas habilidades, já que é um rapaz sincero e com senso de justiça. Por mais que esteja fazendo justiça, seu poder vai matar alguém, mas não usá-lo pode colocar a vida de alguém em jogo, ou até mesmo a dele.

Enquanto toda narrativa e mistérios me empolgam, o primeiro caso onde fui colocado no labirinto e ao ver que a jogabilidade se resumia a "joguinho" já foi um balde de água fria. Enquanto sabia da existência de Rain Code, vi praticamente nada de material de divulgação, então fui pego de surpresa. Claro que é uma tradição puxada de Danganronpa, mas ainda assim, não é o algo que me deixa animado de rever.

Um dos principais minigames em meio ao labirinto é o Reasoning Death Match, onde Yuma é colocado num ringue contra um Mystery Phantom, uma representação fantasiosa de alguém que está te impedindo de continuar a investigação. Nesse modo, o oponente vai questionando sua lógica com frases que te atacam, obrigando o jogador a desviar.Com sua espada, escolha o contra argumento certo e ataque um depoimento contraditório do fantasma. 

No geral, não gostei muito dessa forma de debater contra o inimigo, visto que é mais demorado, tanto para ouvir todo argumento, quanto o loading para entrar nessa sessão. É bem similar aos debates de Danganronpa, só que mais truncados. Para a minha tristeza, esse nem é o pior dos jogos, visto que também há o jogo de "forca", agora colocando a Shinigami de biquíni dentro de um barril girando, e você deve jogar lanças nas letras certas. Acredito que essa descrição já dê uma ideia de o quão chato é isso.

Enquanto ficar jogando "forca" para montar uma palavra aleatória para provar um ponto continua besta, um dos minigames finais, God Shinigami, coloca a personagem mencionada em forma gigante e derrubando paredes e pulando espinhos, pronta para invadir uma fortaleza estabelecida pelo culpado do crime. É um negócio simples, mas efetivo e transmite o momento da narrativa para a jogabilidade e é assim que todos os desafios tinham que ser.

Fora desse “mundo meta”, você pode andar por Kanai Ward, podendo fazer a campanha, side quests e procurar uns itens, chamados Memory Shards, para liberar conversas entre Yuma e os outros detetives. Gosto bastante de haver um ambiente 3D explorável, pois esses jogos costumam ser muito estáticos, ainda mais puxando o gênero adventure. Não há tanta interatividade com o cenário, mas falar com os NPCs e andar pela cidade é muito legal.

A cada capítulo, o mapa vai expandindo e novos "bairros" de Kanai são apresentados. As side quests e coletáveis são limitadas dentro dos seus capítulos, e enquanto as sidequests são fáceis de localizar devido aos ícones apresentados no mapa, os coletáveis aparecem como pontos luminosos e você tem apenas algumas dicas de onde eles devem estar. Só após terminar a campanha que são mostrados em que capítulos você acha coletáveis, o que é uma sacanagem, visto que você vai ter que pular uma porrada de texto para finalmente poder explorar e achar os fragmentos.

Os memory shards dão mais tempo de tela para os coadjuvantes, que possuem participações limitadas pela história principal. Geralmente, um deles vai te ajudar em um capítulo, usando seu “Forte” e deu. As participações posteriores são limitadas. Há um season pass com episódios focados nos outros detetives, mas são mais contos por fora da história principal, ao menos, é o que a primeira DLC, a única que saiu até agora, deu a entender.

O mistério de Kanai Ward e a identidade de Yuma são as forças principais que movem a narrativa. O protagonista e sua ajudante, a Shinigami, recebem a maior parte do foco, mas ela é uma figura mais cômica e irritante. A Deusa ajuda mas também atrapalha sua investigação com diversos comentários engraçadinhos e piadas de duplo sentido. Como ela e o protagonista são quem tomam maior tempo de tela, acaba sendo um pouco demais, visto que, como já mencionado, os coadjuvantes tem presença mais breves, até mesmo muito dos "vilões" aparecem pouco.

Visto que Danganronpa teve um fim aparentemente definitivo, é bom ver uma espécie de sequência espiritual pelo mesmo time, principalmente vindo do estilo desequilibrado de Kazutaka Kodaka. Rain Code tem bastante DNA do que era Danganronpa e foi até um dos pontos de divulgação, e isso vai de pontos positivos e os negativos, e não falo da influência por si, mas mais pelo fato que poderiam melhorar os aspectos de jogabilidade e ritmo dos casos. 
 
Dentro de jogos no mesmo gênero de adventure investigativo, coisas como Ace Attorney, AI The Somnium Files e etc. Rain Code e Danganronpa tem estilos bem distintos. A uma mistura de tons e conceitos continua estranha e seu maior charme. São personagens com arquétipos de anime com visuais coloridos e cartunescos dentro de uma trama de suspense com assassinatos brutais. E assim como essas duas coisas se intercalam, sinto que a narrativa se mantém numa corda bamba que vai pendendo do legal para o absurdo, eventualmente caindo em coisas idiotas.
 
Para mim, que já conhecia esse estilo, já estou acostumado em lidar com essas excentricidades , mas o que ainda me pega é esse pacing caótico. É um jogo com cerca de umas 30 horas, e alguns casos ocupam muito mais tempo que deviam, fora que a maior parte do tempo de tela pertence a dupla principal, o que não é um problema para o que é um pseudo avatar do jogador, mas a mascote irritante pode extrapolar os limites.

De qualquer maneira, foi uma experiência muito boa. Talvez, a familiaridade com Danganronpa me fez aproveitar mais o jogo, ainda mais por ele ter algumas quebras de expectativas para os fãs. E para quem não conhece, pode ser uma boa porta de entrada nas tramas esquisitas do Kodaka, principalmente pelo fato que é um tipo de história que desde o começo já guarda bastante surpresas e twists absurdos.

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