terça-feira, 17 de agosto de 2021

Review - The Great Ace Attorney Chronicles

Acompanhar a série de Ace Attorney desde meados de 2011 foi uma experiência única e pude desfrutar de cinco jogos cheios da série, indo da trilogia original, Apollo Justice e Ace Attorney Investigations, o spin-off de Miles Edgeworth. Na época, o segundo AA: Investigations saia no Japão, logo bastava esperar algum tempo para sair fora de lá, certo? Bem... Praticamente 10 anos se foram e nada, o que já foi o início de um mau presságio.

O anúncio e lançamento em 2015  de Dai Gyakuten Saiban vinha com uma proposta inteiramente nova, porém com alguns problemas devido a localização. Phoenix Wright se distanciava da sua origem japonesa como Ryuchi Naruhodo, então uma "prequel" passada no século XIX no Japão poderia gerar algumas complicações. Além de contar com um elenco de personagens novos e ter a presença de Sherlock Holmes, um personagem com o domínio público de Schrondinger. Até onde sei, DGS não foi um sucesso tão grande no Japão, muitos fãs apontam justamente pela mudança de elenco, já que outros Ace Attorney sem personagens clássicos não eram tão bem recebidos, e imagino que isso deve ter afetado a Capcom em sua decisão de lançar o jogo mundialmente.

Dai Gyakuten Saiban 2 foi lançado em 2018 e não foi soltado um pio da localização do primeiro, então parecia um caso perdido. O juiz estava para bater o martelo e o veredito era iminente, mas a defesa clamou uma objeção e mostrou uma evidência clara: os vazamentos de dados da Capcom de 2020. Uma pequena esperança, porém nada concreto. Enquanto um novo Ace Attorney ainda não deu as caras, a Capcom resolve finalmente mostrar que Dai Gyakuten Saiban receberia um lançamento para as novas plataformas, juntando os dois títulos e traduzindo-os para inglês. Poucas coisas mudaram do lançamento original, alguns nomes foram alterados para fazerem os trocadilhos, mas mantendo a nacionalidade correta dos personagens. Sherlock Holmes e Watson viraram Herlock Sholmes e Wilson, o que era esperado, visto que esses nomes já foram utilizados para evitar os mesmos problemas de direitos autorais.

O foco principal da duologia é a jornada de Ryunosuke Naruhodo para a Grã-Bretanha, onde o sistema judicial e a polícia são do mais alto nível, então ele estará lá para aprender sobre essas maravilhas do mundo moderno e voltar para o Japão com o conhecimento desse mundo moderno da lei. O primeiro caso de TGAA: Adventures mostra a corte japonesa, a falta de alguns recursos investigativos e algumas falhas do investigador, mostrando alguns defeitos do sistema judiciário e parte da relação entre Japão e Reino Unido. O segundo é apenas a investigação, conhecer o Sr. Sholmes e desvendar um assassinato inesperado. Ao chegar em Londres, você já é designado para defender uma figura dúbia, onde nenhum advogado se atreveu a defender, pois o promotor é Barok Van Sieks, conhecido como O Ceifador pois mesmo quando os réus de seus casos são inocentados eles acabam morrendo de formas misteriosas.

A corte britânica é altamente valorizada, mas apresenta um sistema de júri aonde o veredito de culpado é decidido por seis jurados escolhidos aleatoriamente por Londres. Então além de interrogar testemunhas, pressionar depoimentos e mostrar evidências para provar contradições, eventualmente os jurados fazem suas decisões, representadas por uma balança enorme atrás do juiz, o que leva o jogador a ouvir os motivos dos vereditos e tentar convencê-los que o julgamento não deve acabar e que seu cliente ainda é inocente. Claro que sendo Ace Attorney, o foco geralmente é mais cômico e os jurados são figuras contestáveis e com julgamentos precipitados, além dos depoimentos terem múltiplas testemunhas ao mesmo tempo, e você pode ver a reação de outra testemunha durante um depoimento e usar isso para conseguir mais informações.

Dentro de uma série que já implementou diversas mecânicas diferentes para adicionar algo a mais na jogabilidade básica, acredito que TGAA é o que apresenta as mecânicas mais interessantes e funcionais, além de bem divertidas. Acho que os "problemas" de sempre, principalmente quando você já sabe quando tem uma evidência certa, mas não sabe como e aonde apresentar, ainda acontecem, mas não tenho nada contra isso, vejo mais como parte da dificuldade da franquia. Penso mais como é mais questão de entender a lógica do protagonista e como apresentar isso formalmente, não que a lógica não possa ser meio burra ou desnecessariamente complicada.

The Great Ace Attorney: Adventures tem um ritmo diferente dos casos, como já mencionei o fato dos três primeiros serem focados ou em apenas a sessão judicial, ou na parte investigativa, também levando em conta que os três casos ainda servem como tutoriais. Enquanto TGAA2: Resolve tem uma estrutura mais comum aos outros jogos da franquia. Não acho que um seja pior que o outro devido a isso, acho que Adventures teve que se arriscar para tentar trazer alguma coisa diferente, além de servir como ponte direta para o segundo jogo. No fim, parece que você está jogando um jogo maior de dez casos, ao invés do comum de cinco, nada que seja horrível para quem vai jogá-los agora, apesar do primeiro caso de Resolve ser tutorialzão demais após você já ter passado pela primeira parte.

As crônicas de Ryunosuke Naruhodo apresentam não somente um cenário inteiramente novo, como personagens bem diferentes, apesar de seguir algumas convenções. Ryunosuke é o arquétipo de personagem comum da série, geralmente servindo como o "straight man" no meio de situações inusitadas e personagens exóticos, mas ainda tendo um arco de crescimento em sua jornada, principalmente considerando que ele começa na sombra de Kazuma Asogi, seu melhor amigo e um advogado prodígio que foi designado pelo governo a fazer a viagem de estudos ao Reino Unido. Ryu começa bem nervoso e sabendo basicamente nada de como ser um advogado, necessitando que algum dos seus colegas tome iniciativa de responder acusações da promotoria na corte, até mesmo as animações de Ryu demonstram seu desespero, olhando para os lados toda hora, erguendo a mão para manifestar sua opinião e, eventualmente, isso vai mudando. Então mesmo fazendo parte de um modelo comum de protagonista, ainda há bastante peculiaridades em sua personalidade e uma verdadeira evolução para tornar-se um advogado competente.

É claro que um advogado não é nada sem sua ajudante, e dessa vez temos Susato Mikotoba, uma dama japonesa tradicional, focada em seu trabalho de assistente judicial. A dupla do advogado despreparado e sem confiança com uma assistente profissional e séria é ótima. Apesar de ambos serem personagens mais contidos e comportados, a Grã-Bretanha é um lugar totalmente novo para eles, então as reações a novidades e interações com um povo completamente diferente traz mais dos dois, geralmente com Ryunosuke sendo mais lógico e meio covarde, enquanto Susato fica fascinada com tudo e demonstra um lado mais divertido, como ser fã dos livros de Herlock Sholmes.

Por sua vez, Sholmes puxa pra uma interpretação bem divertida do gênio excêntrico. Usando seu raciocínio lógico e observação para tirar conclusões de mistérios, o que leva para uma "dança de dedução", onde Herlock apresenta sua teoria e você terá que fazer correções em suas observações. É o tipo de coisa que deixa as partes de investigação melhores, já que os jogos principais da franquia geralmente não mudam tanto nessas seções. Fora que o jogo sabe brincar com essa ideia do misticismo ao redor de Sholmes, já que suas observações não são convencionais e te colocam na dúvida se ele realmente é um cara descuidado, ou está apenas de sacanagem.

Certamente há bastante charme nos personagens. Passando entre as screenshots que tirei durante minha jogatina, me faz lembrar de diversos aspectos legais dos protagonistas e até do mais básico dos NPCs. Enquanto a história principal ainda é intrigante e oferece uma proposta interessante de um advogado despreparado que expõe as feridas do sistema judiciário do Reino Unido, ela sozinha não leva dois jogos de trinta horas cada, mas o elenco todo é um dos pontos mais fortes daqui, assim como da trilogia de Phoenix Wright, até mais, na verdade.

Finalmente temos um lançamento 3D da série na geração atual, toda a beleza dos modelos e animações são claramente visíveis, apesar de ser travado em 30FPS e alguns problemas de resolução na Steam. Fora a trilha sonora orquestrada que é simplesmente fantástica, com diversos números de faixas e todas parecem ter bastante cuidado. De bônus ainda há um modo galeria onde você pode ver as artes, assistir alguns conteúdos extras e ouvir a trilha sonora, tudo isso acompanhado com alguns comentários dos criadores.

The Great Ace Attorney é dirigido por Shu Takumi, diretor da trilogia original, e é perceptível, tanto na história quanto personagens, o estilo dele. Sinto que TGAA é uma boa mexida na fórmula da série e uma revisitada aos originais, trazendo muitas semelhanças, mas indo para uma direção diferente e que me agradou muito. O design de personagens é de Kazuya Nuri, que já trabalhou em outros títulos da série, mas sua experiência com Professor Layton vs. Phoenix Wright (que também serviu de base para outras coisas de TGAA) certamente é refletida nos diversos cidadãos de Londres que você encontra, muitos parecendo diretamente de tirinhas e desenhos europeus.

O lançamento global e localização de The Great Ace Attorney Chronicles foi mais do que merecido. A demora da localização traz aquele misto de alegria e ódio, pois por um lado você finalmente pode aproveitar DOIS jogos novos que tanto esperou, enquanto do outro lado tem o fato de você ter esperado tanto. Assim como finalizar os dois jogos foi uma satisfação enorme, também é uma tristeza por saber que não sei se verei mais das aventuras do grande advogado e as peripécias de Sholmes, fora todo o resto desse carismático elenco. 

Como fã, claro que gostaria ver mais desse universo em específico, mas a duologia apresentou uma jornada tão fechadinha que acho justo não querer mexer mais nela, principalmente se houver risco de estagnação como já ocorreu com alguns jogos de Phoenix Wright. Mesmo se fosse o último jogo de toda a franquia que seria uma conclusão com chave de ouro.

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