segunda-feira, 24 de abril de 2023

Review - Resident Evil 4 Remake

 O sucesso do remake de Resident Evil 2 já trazia um destino inevitável: Resident Evil 4 iria receber um remake. Já rasguei muita seda sobre o título de 2005, afinal, é meu jogo favorito e um marco de na indústria de games. Não sou contra remakes e nem acho que sejam uma má ideia, por mais que tenham seu aspecto cash grab, são formas de revisitar ideias antigas e apresentar clássicos de uma nova forma para uma nova geração. 

O que temo é apenas sair um trabalho preguiçoso. Enquanto RE2 é um bom jogo, vejo alguns aspectos mal trabalhados, e olha que gosto mais do remake do que o original. Ainda acredito que ele poderia ser bem melhor se tivesse mais tempo de produção, e o mesmo se aplica à RE3, um título um tanto injustiçado, mas com razões óbvias. A expectativa criada com o antecessor justifica a decepção com a campanha curta e as diversas diferenças e partes que o remake "cortou".

Visto a dimensão do antigo, RE4R seria um projeto bem grande se fossem recriá-lo, logo, um desenvolvimento mais trabalhoso. Provavelmente, RE Village foi pensado para ser base do remake justamente por isso, o que deve ter aberto campo para investirem em mais coisas. Mesmo se o o jogo fosse apenas uma melhoria técnica e gráfica junto da implementação de sistemas mais "modernos", seria uma tarefa árdua.

É o remake que tinha a barra mais alta para atingir e felizmente ele conseguiu fazer um trabalho digno de uma forma que ele se tornou um título à parte. Não se contentando em procurar fazer "melhorias básicas" RE4R adiciona seus toques especiais, além de aumentar tanto o aspecto de ação quanto o de terror e manter as estranhices e comicidades tão lembradas do original.

A premissa é a mesma. Leon Scott Kennedy se tornou um agente do governo americano após sobreviver o surto zumbi em Raccoon City. Após 6 anos, ele recebe a missão de resgatar a filha do presidente, Ashley Graham. Chegando num vilarejo na Europa, ele descobre que o sequestro foi realizado por um culto chamado Los Iluminados, que utilizam parasitas para infectar a população local e torná-los em zumbis, chamados ganados, e monstros diversos. O tom do protagonista reflete mais com os acontecimentos de RE2, demonstrando querer que "dessa vez seja diferente", se tratando de salvar a Ashley e compensar pelos seus "erros" em Raccoon City.

A maioria do elenco têm “papéis” similares, agora colocados de uma forma mais concisa e com maior participação. Luis Sera tem uma ligação mais forte com a vila e acompanha Leon em um trecho da campanha. Saddler parece mais um líder religioso fanática e só aparece ativamente para a parte final do jogo. A mudança mais perceptível foi com Jack Krauser, que agora é membro lunático do culto, e tem uma pegada mais “militar maluco”, falando aos berros e tendo um sentimento vingativo contra os EUA, que se estende ao Leon.

Enquanto o protagonista, apesar de ter um tom mais trágico e deprê, ainda continua com suas frases de efeito e movimentos acrobáticos de agente secreto. Infelizmente, a falta de conversas via rádio diminuiu as tiração de sarro com os chefes, mas alguns diálogos ainda ocorrem nas lutas. Falando nos antagonistas, você pode encontrar documentos que detalham bem como eram essas pessoas antes dessa comunidade ter sido infectada e achei que esses detalhes do background foram muito bem explicados.

E por fim, Ashley tem uma participação mais bem definida e com uma clara evolução. Começando como uma garota assustada, eventualmente se acostumando em ajudar Leon e conversando abertamente com ele. Porém, a parte de comandá-la é um tanto estranha, pois você pode pedir para ela ficar por perto ou se afastar. Enquanto ficar perto é simples, o comando de se afastar pode gerar algumas reações estranhas da IA ao fugir. Tive mais dificuldades com a Ashley aqui do que no original, mas talvez seja questão de se acostumar, só acho que a simplicidade do antigo funcionava melhor de cara, além de haver bastante locais para ela se esconder, enquanto aqui é mais raro.

Saindo de um jogo que tinha controles de tanque para um com movimentação mais livre, significa que toda a base de gameplay tem que ser reformulada, logo os inimigos são rápidos e agressivos. A quantidade de zumbis na tela é bem impressionante, ainda mais vendo meu computador não esfarelar totalmente ao mostrar tudo. Para se defender, Leon pode se agachar, desviando de golpes horizontais e agarrões, apesar desses serem bem difíceis de desviar. A outra opção de defesa seria a "aparada", o famoso parry.

RE4 contava com alguns QTEs para desviar de ataques de certos inimigos, e o Remake basicamente resumiu todos eles ao parry com a faca. Você pode se defender de praticamente todos ataques normais, e fazendo um Perfect Parry, onde você realiza a aparada no tempo exato, o adversário cambaleia e pode tomar um contra golpe. O que limita o uso dessa mecânica é o fato da sua faca ter durabilidade, podendo ser reparada com o mercador, ou usando outras facas mais fracas que quebram facilmente.

As facas também podem ser usadas para se livrar de agarrões e realizar execuções, o que mata alguns inimigos imediatamente ou causar bastante dano, essas opções levam uma parte da durabilidade. As execuções podem ser úteis para garantir que os ganados não voltem à vida com o parasita, ou quando você está tentando fazer um pouco de stealth. Ser furtivo nesse jogo não é uma necessidade, porém ajuda e é até simples, considerando que os inimigos demoram uns 2 segundos para te perceber e alertar os outros, o que dá brecha para matá-los, até mesmo de frente.

O cerne do novo combate é mais agitado e menos previsível. Não que seja justo comparar com um jogo de 20 anos atrás que já foi virado do avesso e foi pioneiro em muitos aspectos, mas era bem mais fácil desvendar RE4. Atire na cabeça, dê um golpe melee, atordoe inimigos mais fortes com a escopeta e etc. Ainda é possível jogar assim na dificuldade “Standard”, mas acima disso, é difícil até atordoar os ganados com um ou dois tiros. É preciso sempre levar em conta o parry e tentar desviar se agachando, visto que eles tentam te agarrar com mais frequência.

Enquanto a já mencionada dificuldade padrão é de boa, o Hardcore/Intenso não tem muito perdão. É recomendada para jogadores veteranos do original, o que parece uma pegadinha para quem acha que esse vai ser o mesmo jogo, ou talvez seja a dificuldade ideal para os acostumados com o antigo RE4. Zerei o Hardcore primeiro, depois o Professional e então o Assisted, e joguei um pouco do Standard até agora, e devo dizer que há uma margem significativa entre as duas mais difíceis e as duas mais fáceis, onde até as soluções de puzzles e valores dos itens mudam radicalmente.

É possível jogar campanhas mais difíceis com New Game+ e mesmo assim elas são complicadinhas, isso sem o uso de armas especiais. O Professional mesmo já desabilita o salvamento automático e os checkpoints são feitos apenas ao salvar nas máquinas de escrever. Para conseguir o rank S+ no Professional, é necessário zerar a campanha em menos de 5 horas e 30 minutos e com no máximo 15 saves, lembrando que o seu número de saves é mantido ao fazer NG+.

Há uma gama de incentivos para rejogar RE4R, o que é uma tradição da série. O Remake consta com desbloqueáveis diversos que podem ser desbloqueados via uma loja virtual no menu principal. Pensando nessa "replayabilidade", os desenvolvedores colocaram diversos atalhos e formas rápidas de passar alguns trechos e chefes do jogo. Na minha primeira jogada, percebi que algumas fechaduras que trancavam as portas, poderiam ser quebradas ao mirar por um ângulo único. São coisas propositais que são legais de serem descobertas e agilizam novas jogatinas.

Um dos maiores méritos de Resident Evil 4 era seu arsenal diverso, a maioria adquirida através do mercador, agora temos algumas armas novas encontradas pelo cenário, também. Uma das melhores adições é o estoque, onde você pode guardar suas armas sem ocupar espaço no inventário e retirá-las em qualquer máquina de escrever/save point. Então é possível ter todo arsenal com os melhores upgrades em apenas um save, fora que não há necessidade de descartar ou vender algo, já que você pode guardar uma arma pouco usada da maleta.

O gerenciamento de inventário é um pouco mais complicado devido a adição de crafting, onde a pólvora e os "recursos" (peças de metal) ocupam espaço na maleta, junto das suas armas, munição e cura. A munição de pistola é facilmente encontrada como drop dos inimigos ou quebrando barris e caixas, então a maioria das balas para seu armamento mais potente vêm do crafting. Raramente me encontrei numa situação onde tinha munição demais, então os upgrades das armas acabam sendo mais vitais, bem como aumentar o espaço da maleta.

Diferente dos jogos anteriores, aumentar a capacidade de munição não te garante umas balas de graça, então eles realmente devem ter pensado que essa decisão seria mais adequada ao clima de terror e o combate desesperador. Gosto bastante disso, pois ressalta a parte de "survival", mostrando que, por mais que RE4R tenha mais ação, ele também se preocupa em nunca te deixar forte demais, e olha que procurei praticamente todos os tesouros e sidequests.

Já entrando nessa área. O Mercador está de volta e com algumas novidades, onde podemos comprar algumas receitas para fabricação de munição e granadas, fora prover sidequests, essas sendo recompensadas com as “Spinels” que são um tipo de moeda separada para trocar com itens únicos. Você ainda pode comprar e vender itens, tesouros e até suas armas, e o Mercador vai conseguindo novos equipamentos e upgrades melhores para seu arsenal.

As sidequests são geralmente coisas simples, desde vender x item para o Mercador, ou voltar em uma área e enfrentar um inimigo mais poderoso. Não são obrigatórias e não parecem encheção de linguiça, cabendo perfeitamente para jogadores que procuram sempre explorar o cenários e não deixar nada para trás.

O sistema de tesouros tem um fator adicional. Alguns tesouros possuem encaixes para pedras, essas sendo dividas em dois formatos e três cores diferentes, onde cada uma tem um valor distinto e as combinações podem trazer bônus no valor da venda. Então usar três pedras iguais pode ser mais valoroso que usar três diferentes, entre outras combinações. As joias mais caras são mais raras de encontrar, então é sempre bom pensar o que vale ser usado.

O minigame do estande de tiro está de volta, agora mais complexo e com desafios mais únicos e que utilizam a maioria do arsenal. Por exemplo: algumas armas possuem poder de penetração para atingir mais de um alvo e isso é utilizado nos variados jogos da estante. É bem desafiante e pode ser meio chato devido a forma da propagação de tiros de umas armas, mas também é mais divertido e recompensador, já que concluir os desafios garante fichas de prata ou douradas que podem ser usadas numa máquina de gacha para conseguir amuletos. 

Os amuletos são modelos do RE4 original e garantem modificadores como mais cura ao usar uma erva verde. Eles aparecem em sua maleta e até três podem ser equipados em qualquer máquina de escrever. A própria maleta tem modelos diferentes, podendo ser compradas com o Mercador, que também garantem algumas mudanças de porcentagem do jogo. É bem interessante ver como os desenvolvedores pensaram nesses adicionais em sistemas que, sinceramente, não via motivo de mudar, mas aí que vem boa parte do apelo desse remake.

Justificar a recriação do clássico de 2005 seria difícil, porém o time de desenvolvimento teve uma visão bem única do que refazer. O fato de terem olhado a faca e imaginarem um sistema único de parry e compensar sua utilidade em limitar seu uso já mostra como eles foram criativos. E mesmo que a melhoria gráfica seria algo óbvio, o nível de detalhe dos personagens e de cada local é incrível. O ciclo de dia é mais visível conforme você avança a história e mesmo ambientes diurnos e mais coloridos carregam a vibe macabra do jogo.

Acho que a parte mais bem pensada vem com os cenários. O jeito como a Vila e o Castelo se ligam e como eles fizeram um remix nas áreas foi ótimo. Mesmo com mudanças que podem tornar alguns locais menores, a maioria se tornou melhor interligada e com mais coisas para se explorar. A remoção de certas salas e inimigos geralmente é compensada com adição de algo novo, sem parecer que ficou faltando algo. Não é algo que vai importar para jogadores novos, mas garanto que todas essas áreas foram muito bem criadas e contribuem para a variedade de RE4.

Não mencionei a Ilha nesse meio pois acho que foi o maior deslize do jogo. Manteram bastante cenários dessa área e só mudaram a ordem, o que, comparado ao resto, é meio decepcionante, e analisando friamente como jogo, alguns trechos são um pouco fracos. Certos trechos de ação na ilha são meio irritantes, visto que você tem munição limitada e precisa atravessar uma zona de guerra. No final, a Ilha acaba sendo um local linear e parece que foi onde o desenvolvimento foi um pouco apressado. 

Acredito que a parte dos laboratórios e quando é focado no terror foi um acerto gigante, especialmente com a presença dos temíveis Regeneradores, sendo usados de formas que deixam um desespero em até quem já estava preparado para reencontrá-los. Em retrospecto, gostaria que mais inimigos tivessem sido aproveitados, visto que algo como os Garradores só aparecem duas vezes pela campanha toda.

Os defeitos não são nada que vão estragar o seu dia, mas comparando a tudo que é excelente, achei que vale mencioná-los. Sei que boa parte da review foi de comparações ao original, só que esse é o melhor jeito de sintetizar o que torna o remake tão bom para mim, além de que é um jogo muito popular. Fora as comparações, tudo o que o remake mostra é uma forma de honrar o antigo e se diferenciar de uma forma que seja um título novo com um sentimento de familiaridade. 

E essa familiaridade é usada como arma contra os veteranos, é basicamente a mesma ideia por trás do remake de RE1, mas diferente desse, não é como se fosse um substituto do anterior. Resident Evil 4 Remake mostra uma forma mais interessante de recriar jogos clássicos. É melhor que o original? Acho que não, porém, é melhor que seja assim. Prefiro ter duas versões distintas e excelentes do meu jogo favorito do que uma mera recriação. Conceitualmente, seria fácil melhorar RE4 com gráficos e sistemas mais modernos e intuitivos, mas ele vai além e cria uma identidade própria. 

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