O preço cobrado por um jogo é um assunto levantado, me parece, quase que uma vez por mês. Isso faz sentido, pois jogar videogame é um hobby caro e nos preocupamos com nosso dinheiro, nada mais normal. Porém eu acredito que, analisando friamente, descobriremos que o mercado de games é um tanto quanto esquisito quando se trata de sua monetização e o valor real dos jogos acaba as vezes um pouco perdido no meio das discussões de valores monetários.
Para esclarecimento, vou tratar de valores em dólar aqui, pois estes seguem um padrão mais ordenado, ao contrário do mercado de venda de jogos brasileiro, que é uma história completamente diferente.
Quando você vai comprar um aparelho eletrônico analisa algumas coisas, como qualidade, marca, histórico etc., compara com outros produtos do mercado e cria uma estimativa de preço aceitável para pagar no produto. Na outra ponta, a fabricante deste hardware sabe quanto custa para ela produzir uma unidade e coloca a porcentagem de lucro em cima de acordo com a necessidade e padrão da própria empresa. Isto vale não só para hardwares, mas também para praticamente todo produto que compramos em uma loja, de roupas e bugigangas até comidas e bebidas. É como fomos condicionados a pensar quando compramos alguma coisa.
Já para comprar um jogo novo AAA, independente de qualquer outra coisa, você tem uma certeza: ele vai custar $60. Ou $70, no caso do Playstation 5. Voltando os olhos para a outra ponta novamente, independente de qualquer fator, seja tempo de produção, tecnologia investida ou P&D feito, a desenvolvedora também sabe que não vai poder cobrar mais do que $60 (ou $70).
Isso bota a indústria num lugar um tanto quanto peculiar, pois a comparação, acredito, não pode ser feita da mesma forma do que quando se compra algum outro produto, uma vez que os jogos têm um teto de preço. Este teto acaba significando para o comprador que, se um game qualquer chega com uma qualidade aquém do esperado, oferece menos coisas para fazer ou horas de jogo, ele não deve custar o teto, ao invés de pensar que na verdade os jogos que tem muito mais recursos e custo de produção maiores poderiam custar mais. Eu também não quero pensar nisso, já está caro o suficiente!
Fazendo uma conta simples, uma desenvolvedora com 250 funcionários que trabalham 8 horas por dia ganhando em média $15/h, se tivesse 4 anos de trabalho para finalizar e começar a vender um jogo, teria gasto pouco mais de 30 milhões de dólares apenas com salários dos funcionários. O número de custo com certeza é muito maior, uma vez que devem ser considerados também todos os outros custos de manutenção, como energia, água e internet, de marketing e de compra de equipamentos e softwares que possibilitam todo o trabalho e eu não tenho a menor ideia dos valores. Uma outra situação de um time de 100 funcionários com o mesmo salário e horas trabalhadas, mas que demora apenas 2.5 anos para finalizar e lançar o game, gastaria 7.5 milhões de dólares em salário. Ambos jogos custarão $60.
Falo isso apenas para dar perspectiva, pois não acredito que seja raro de acontecer da segunda situação que citei criar um game melhor do que a primeira. Às vezes a primeira situação acabou passando por problemas de desenvolvimento e o produto final ficou devendo em algumas partes, ou não ficou tão robusto, então qual critério usaríamos então para dizer que ele não vale os $60? Sempre vamos pensar isso quando vemos um software que não nos agrada, pois não queremos pagar o mesmo tanto que já pagamos tantas outras vezes por produtos que nos satisfizeram.
As discussões mais recentes que vi neste tema foram em volta de New Pokémon Snap, que o game não deveria custar $60 por ser muito simples e que nele o jogador "só tira fotos". Uma jogabilidade simples, ou um jogo curto sem muitos extras, não necessariamente representam menos trabalho dedicado ao produto. Persona 5 tem uma média de 111 horas para ser finalizado, cheio de coisas para fazer, enquanto o recente Resident Evil Village, apenas 10 horas com uma história mais concisa. Em Resident Evil Village eu "só atiro nos inimigos", isso significa que ele deve custar menos de $60 quando comparado com Persona 5?
Na minha opinião, julgar o preço de um jogo pela sua concepção de quanto vai aproveitar dele ou da variedade de afazeres que ele oferece não é muito viável justamente por conta do teto de preços da indústria. Games oferecem experiências completamente diferentes um do outro (na maioria das vezes) e os esforços de desenvolvimento aparecem nos mais diferentes aspectos do produto final, seja ele para o seu gosto ou não.
As desenvolvedoras e publishers, acredito, devem trabalhar com estimativas de vendas para medir os investimentos em cada projeto. Até por isso vemos tantas sequencias, remakes, remasters, ports e collections, pois uma IP já conhecidas dá segurança de retorno financeiro aos investidores e à empresa. Todos esses jogos, com exceção das collections, talvez, custarão $60, pois é o teto e o padrão que a indústria tem. É como ela funciona, estimando investimento feito baseado num preço de venda que foi fixado antes mesmo do game começar a ser produzido.
Em números um pouco mais específicos, segundo esta lista da Wikipedia, Red Dead Redemption 2 é o jogo mais caro já produzido somando desenvolvimento e marketing, com um total aproximado de no mínimo 380 milhões de dólares. Red Dead Redemption 2 também, segundo esta outra lista da Wikipedia, já vendeu 36 milhões de unidades. Se todas as vendas foram a $60 e considerando que, também em todas as vendas, foi pago 30% de taxa para a loja, o faturamento do game seria aproximadamente 1.5 bilhões de dólares.
Puxando a mesmas lista citada acima, Mass Effect: Andromeda teve um custo de produção de 75 milhões e faturou 110 milhões de dólares no primeiro trimestre de vendas. Lembrando que esse jogo foi bastante mal recebido e a estimativa de vendas da BioWare era de vender o dobro, faturando 220 milhões. Aqui dá de vislumbrar qual é a porcentagem de lucro com que eles trabalham. É alta.
Esta é uma indústria bilhonária. Publishers faturam milhões por ano e, ainda assim, há uma certa pressão pelo aumento do teto de preço dos jogos e um movimento cada vez mais presente de monetização extra nos jogos além da venda inicial. Sem contar que estamos vendo um aumento constante de proporção das vendas digitais, que, em teoria, barateia o custo das empresas por conta da redução da necessidade de distribuição global e produção de mídias físicas. Isso provavelmente se deve ao fato de muitas destas publishers serem empresas públicas que prestam contas à acionistas e são pressionadas por cada vez mais dinheiro. Quem sofre somos nós.
Aqui que entra um dos grandes atrativos dos indies. O pouco mais de liberdade que esses desenvolvedores menores têm para criar seus games geralmente acarretam em produtos finais mais autênticos, por muitas vezes com qualidade equiparável à grandes AAA. Tudo isso com um orçamento bastante reduzido e, por consequência, um preço menor. Aliás, não só menor, como também mais maleável, geralmente variando entre $8 e $30. Vemos muito menos discussão sobre preços de indies pois eles nunca custam o teto da indústria, então podemos compará-los com muito mais precisão.
Acho que pode-se dizer que o cinema é um pouco parecido com a indústria de videogames, pois o faturamento provém da venda de ingressos, que também é um preço "fixo", sem considerar que varia de cinema para cinema. Mas ainda assim é diferente, pois você não vai a uma loja comprar um ingresso, vai a um lugar específico para isso. A não ser em casos raros de um filme que realmente é ruim e falamos "esse não vale o ingresso", vemos muito menos a discussão de preço para assistir a um filme em comparação com a compra de jogos.
Talvez a indústria musical se assemelhe ainda mais, tendo os preços fixos para as mídias físicas e outros preços fixos para mídias digitais. Só que hoje em dia quase ninguém mais compra música, é tudo via streaming. Seria esse o caminho mais provável para os games também? Isso é uma outra discussão que poderia se estender bastante, mas, se sim, eu diria que a Microsoft já está vários passos a frente da competição.
Este texto de maneira nenhuma é uma passada de pano nas grandes empresas que lucram milhões por ano e não tratam seus funcionários direito, eu apenas quero apontar a estranheza que eu vejo no mercado de videogames do jeito que é e sempre foi e por isso que acho sempre muito difícil falar de preço dos jogos de maneira objetiva. Claro que cabe ao jogador analisar se o jogo vale o preço especificamente para ele usando medidas mais pessoais, como gosto pessoal, histórico de jogos que ele próprio já jogou da mesma desenvolvedora e seu salário, afinal, tenho que dizer mais uma vez, jogar videogames é um hobby caro.
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